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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

OS NEGOCIADORES DO POVO


Rangel Alves da Costa*


Tenha como certo que neste exato momento alguém está negociando em seu nome. Esse alguém é algum político, e o seu nome enquanto eleitor é o objetivo principal do negócio. Ou negociata, vez que você é vendido sempre às escondidas, em encontros reservados. O valor acordado você nunca saberá, vez que o negociador diz seu preço e depois se apodera de tudo, mas certamente não é pouca coisa.
O povo tem valor inestimável, não pode - ao menos em tese - ser objeto de negociação, de compra e venda, de acertos ou acordos escusos, mas acaba se transformando em apenas um preço perante aqueles que se arvoram de seu poder de voto. Dez votos valem tanto, cinquenta outro tanto, mil ou mais leva a expressiva quantia. E quem é negociado geralmente nem sabe que está sendo ardilosamente usado pelo seu presumível dono.
Como o candidato sabe que é tarefa árdua demais procurar o próprio povo, expor suas ideias, pedir apoio e até se dispor a ajudar numa receita ou conta de água ou luz, então vai diretamente ao dono do curral, àquele que supõe seja senhor do cabresto. Sabe que basta oferecer um presente em números e terá como certo o apoio. E o negociador dos votos alheios, costumeiramente afirmando mais do que pode dispor, acaba sempre embolsando muito.
E não deixa de ser fácil e lucrativo demais dispor e vender o que não lhe pertence. Usa a condição de liderança política (na maioria das vezes apenas aparente) para amealhar benesses de todo tipo, eis que valores em dinheiro é apenas uma parte do acordo de muitas exigências. E depois firma o compromisso com aperto de mão e repete que o candidato nem se preocupe que as urnas mostrarão o que é um homem de compromisso. E só tem o voto dele e da esposa, quando muito.
Acaso chegue ao conhecimento do povo a celebração de acordo político envolvendo dinheiro, então o negociador logo cuidará de desfazer o mal entendido, aquela conversa caluniosa para macular sua imagem de político de comprovada honradez. Mas como não vê saída, pois precisará dizer qual candidato tem seu apoio, começa a espalhar que celebrou acordo sim, porém pensando no povo, vez que exigiu do candidato grandes obras e melhorias para a vida da população. Mas não diz quanto recebeu de jeito nenhum. 
O povo talvez não saiba, mas vale muito na mesa de negociata. Governantes, parlamentares e líderes políticos sabem muito bem a serventia e o valor que tem o povo eleitor. Daí que fecham acordos milionários porque o interessado maior na compra do voto, que certamente será candidato nas próximas eleições, faz a contagem não pelo número real de peixes, mas pela quantidade afirmada pelo atravessador.
Mas essas negociatas em nome do povo não é fato novo, pois remonta aos primórdios da política brasileira, mas com maior expressão nos tempos do coronelismo. Os coronéis negociavam seus currais eleitorais como se bichos fossem os eleitores. E assim eram tratados. Mantidos no cabresto, subservientes às ordens do poderoso, eis que este conhecia antecipadamente quantos votos seu candidato teria em cada urna.
Já naqueles tempos o povo era reconhecido apenas pelo voto que dispunha. Mas como esse voto não era dele, mas sim do coronel, então o candidato sequer perdia tempo pedindo apoio. E nem dava importância ao eleitor porque lhe interessava apenas receber, de porteira fechada, o apoio do coronel. Daí que na varanda do casarão eram entabulados os acordos. E estes sempre envolvendo muito dinheiro, empregos, aumento de influências.
O coronelismo de cabresto e curral não possui mais a feição de antigamente, porém não deixou de existir. Verdade é que ainda existe muita gente por aí, principalmente nos redutos interioranos, se dizendo liderança política e fazendo disso um negócio dos mais lucrativos. A culpa, contudo, não é somente deles, pois agem astuciosamente para serem acreditados com algum poder de captação de votos, como lideranças que podem fazer surgir nas urnas grande número de votos para o seu candidato. O grande culpado de tudo, e por isso costumeiramente enganado, é o próprio candidato.
E culpado porque deixa de valorizar a população eleitora em si para pagar caro por promessas e votos inexistentes. Ora, diferentemente do que ocorria antigamente, o voto agora deve ser contado de pessoa a pessoa, e não como um curral fechado com tantas cabeças de eleitores. E são poucos os votantes que continuam com cega obediência eleitoral aos pretensos líderes, eis que o conhecimento também trouxe a libertação do voto.
Do mesmo modo, quanto mais o candidato valorizar a dita liderança em detrimento do eleitor em si, mais será por este rechaçado. E aquele curral acaba sendo esvaziado. E bicho solto escolhe o caminho que quiser, ainda que encontre uma gorda oferta adiante. Dificilmente rejeita, mas também dificilmente votará naquele que quis comprar sua liberdade de escolha.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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