SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

“AI, EU NÃO POSSO VER NINGUÉM CHORAR...”


Rangel Alves da Costa*


Sertanejo que se preza jamais se esquece de suas raízes matutas, interioranas. E comigo não acontece diferente. Nascido em Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, na aridez sergipana do Sertão do São Francisco, no mesmo rincão onde Lampião tombou lá pelos idos de 38, vivo catando motivos para reviver tudo na memória.
Desde muito que arrumei o embornal e peguei a estrada, mas nunca me acostumei na capital. Anda e vira e me vejo caminhando por aquelas veredas espinhentas, cortando estrada debaixo do sol, proseando com velhos e bons amigos debaixo de pé de pau. E recordo a sua lua, o seu amanhecer, o que ainda resta do canto da passarinhada, cada canto repleto de toda e tanta história.
Quanta coisa boa e bonita há no meu sertão. Mesmo a modernidade que tudo faz para apagar os costumes e as tradições de um povo, ainda assim não consegue destruir de vez a riqueza cultural sertaneja. Não mais como antigamente, mas pelos rincões mais distantes ainda há o som da sanfona, o forró pé-de-serra, a sertanejada chinelando por cima do barro batido.
Até pouco tempo havia o forró de Miltinho, onde os apreciadores do autêntico pé-de-serra dançavam até o raiar do dia. Mas o desaparecimento do amigo deixou uma lacuna incomparável na tradição forrozeira. E o seu forró era o que praticamente restava da cultura sanfoneira um dia tão presente no sertão sergipano. E forrozeiros famosos como Zé Goití, Dudu, Agenor da Barra e Zé Aleixo. Não podendo esquecer o cantador mais aclamado na região: Zelito de Pão de Açúcar.
No silêncio da distância onde vivo me chega a voz de Zelito. E tudo como se eu estivesse presenciando sua cantoria em algum salão sertanejo, com o forró se derramando em suor. E ouço aquela canção nordestina que proclamo como o mais belo e singelo dos forrós: Chorando por alguém. Sucesso na sanfona e voz de Sebastião do Rojão (letra de Cícero Constâncio e Sebastião do Rojão), Zelito cantarolava assim:

Olhe eu não posso ver ninguém chorar
Porque vem logo uma vontade em mim
Quem foi que disse que não chora por amor
Pois os meus olhos já chegaram ao fim

Ai quem me dera eu ver hoje
Quem eu vi ontem ao meio-dia
Se eu não visse a pessoa inteirinha
Pois mesmo assim o retrato me servia

Eu não posso ver ninguém chorar...

Ai quem me dera eu ter asas
Para voar o dia inteiro
Para provar que te amo de verdade
O meu amor só por ti é verdadeiro

Eu não posso ver ninguém chorar...

Eu só te peço que volte pra casa
Não viva assim no meio da rua
O teu chinelo, teu vestido, teu benzinho
Tá tudo em casa que ainda é tua

Ai, eu não posso ver ninguém chorar
Porque vem logo uma vontade em mim...


Juro que entristeço quando ouço essa canção forrozeira. Avisto e ainda ouço Zelito tocando seu pandeiro e cantarolando a vida e veia de meu sertão nas festas de agosto de antigamente. Sei que é apenas um forró, porém daqueles tão autênticos que só mesmo rebuscando em baús para relembrar de tempos quando o sertão era feliz e não sabia.
Sim, uma letra simples, sem qualquer rebuscamento poético, apenas um cantador chorando sua saudade por alguém que ama, mas de uma força expressiva sem igual. E como vem uma tristeza em mim...


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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