Rangel Alves da Costa*
Dizem que certa feita um menino perguntou a
um viajante por que ninguém era avistado descansando debaixo de uma velha
árvore logo adiante, esta sempre solitária, com poucos galhos e quase sem folhas.
E o homem respondeu que as pessoas a evitavam não pelo fato de ser tão desnuda
e afastada das demais, mas pela sombra que não podia oferecer aos que sempre
desejam abrigo e proteção.
Acrescentou que assim como as pessoas
preferem admirar o belo ao desvalido, elegem no olhar o luxo ao empobrecido, do
mesmo modo ocorre com a árvore de grande copa sombreada frente àquela toda nua
no meio do tempo. O bicho do mato descansa e o homem chega a sonhar debaixo das
folhagens tantas de uma jaqueira, mas ninguém avista qualquer vulto debaixo de
uma catingueira magra e ossuda.
Mas a sombra e sua ausência remetem a
considerações ainda maiores. Estar à sombra significa estar resguardado,
protegido, afastado de situações desconfortáveis. Estar à sombra expressa fuga
e busca de uma realidade melhor. Contudo, estar sem o manto sombreado não
significa apenas a desproteção, a ter de suportar as intempéries. Mas
principalmente reconhecer quanta importância se dá aquilo que abriga em
determinado momento e quanta desvalorização é imposta ao que não pode oferecer
a mesma proteção.
E desde então o menino guardou na memória a
visão daquela árvore tão solitária e rejeitada pela carência de sombra se
derramando ao redor, esquecida em meio às outras árvores, relegada à condição
daquilo que igualmente existe, porém sem o devido reconhecimento de sua
existência. Apenas um tronco no esquecimento e abandono dos tempos. E imaginava
quanto injusto era uma árvore ser assim ignorada somente porque não tinha
galhagens fartas, folhagens abundantes e verdadeiros leitos de acolhimento ao
redor do seu tronco.
Mas aos poucos foi vendo a situação de forma
diferente e compreendendo o verdadeiro significado da solidão da árvore sem
sombra. E no seu entendimento, a árvore não era somente a planta, um tronco
lenhoso, um pé de pau no meio da mataria ou do descampado, mas também algo como
uma existência humana. Desse modo, a árvore era o próprio homem perante o olhar
do outro que sempre deseja encontrar uma sombra boa e acolhedora, importante e
protetora.
Nesse passo, se a árvore é o homem, a sua
sombra seria uma espécie de reflexo de sua importância e também uma emanação do
poder de ter diante de si, debaixo de seu véu sombreado, todos aqueles que tudo
fazem para estar abrigados sob o manto protetor da opulência. E tal opulência,
crescida na seiva da riqueza e da influência, é facilmente avistada nas
galhagens grossas, folhas grandes e vistosas, nos frutos por todo lugar. E numa
árvore assim, tão humana como o próprio homem, a sombra sempre será avistada e
desejada.
E tão abundante que não falta quem esteja por
ali procurando aconchego. Perante o que tem farto sombreado e o que está
exposto ao sol e à chuva, dificilmente alguém procura se abrigar debaixo de
braços nus. Parece instintiva a busca de fácil abrigo. Tornou-se natural ao
homem correr para os braços daquele que imagina com sombra suficiente para
fazê-lo protegido diante das ameaças e livrá-lo das situações inesperadas.
E assim acontece para cumprir as lições
contidas em velhos ditados: Pau que não dá sombra não serve nem pra amarrar
burro brabo; pau sem sombra é madeira de lenha; pau que não dá sombra morre
esturricado e abandonado. Ora, ninguém valoriza a árvore desfolhada; ninguém
senta debaixo da árvore raquítica, esquelética; ninguém ali se deita para olhar
para cima. Diferente ocorre quando o sombreado se estende de lado a outro.
Eis o homem no lugar da grande árvore,
daquele tronco imponente com poderes de chamar ao seu redor verdadeiras
multidões, com a facilidade de ter a seu jugo pessoas nascidas para viver
acostadas aos privilégios dos outros. O homem com sombra, pois com poder e
riqueza; homem com sombreado, pois com imensa influência no meio onde está
fincado. E tantos e mais tantos verdadeiramente sentem-se poderosos demais por
fingir abrigar sob sua copa uma leva imensa de fracassados.
Até que esta árvore humana dá abrigo no
primeiro instante, parece refrescar, acolher e dar proteção aos que chegam ao
seu costado. Até que esta árvore pode influenciar diante de uma ou outra
necessidade. Mas somente até o instante que perceber que o indivíduo confia
demais no seu falso sombreado. Então o torna tão submisso ao falso manto que
mesmo ao sol vai achar que continua protegido. E dessa submissão o uso para satisfação
de interesses próprios, escusos, eleitoreiros.
Enquanto isso a outra árvore sem sombra
continua solitária, esquecida e abandonada. Não tem o falso manto protetor da
outra, por isso mesmo rejeitada. Igual ao ser humano tido como insignificante,
vai aprendendo a se valorizar pelo que possui. E se um passarinho ali faz um
ninho não será derrubado pelos que apaixonadamente disputam espaço à sua
sombra.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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