Rangel Alves da Costa*
Oportunidade única para viver, para
reencontrar-se, para meditar. Então não pensou duas vezes. Colocou no umbro o
embornal, pegou a estrada, cortou caminhou, adentrou em veredas e subiu a
montanha.
Convites não faltaram para aproveitar de modo
diferente os dias remansosos de carnaval. As opções eram muitas, desde
acampamentos às folias de todos os gostos. Mas nada disso lhe interessava, pois
seu intento mesmo era subir à montanha.
Subir à montanha significava esforço,
sacrifício, cansaço, perigo. Mesmo não sendo distante, seu alcance exigia
vencer muitos obstáculos, caminhar por veredas espinhentas e cheias de
perigosas surpresas. Mas estava decidido.
Desde muito que tencionava fazer essa viagem,
essa caminhada até aquele ponto alto e misterioso que avistava de sua janela.
Um monte alto, imponente, em cujo cume se dizia erguer-se uma igreja somente
encontrada por alguns.
Pouquíssimas pessoas se arriscavam para
alcançar o alto do monte. Os que conseguiam sempre retornavam afirmando coisas
encantadoras acerca da paisagem avistada lá do alto e da força misteriosa que
parecia soprada pela brisa que ali chegava perfumada.
Mesmo sem haver qualquer confirmação, verdade
é que também falavam acerca da existência de uma pequena igreja no ponto mais
alto do cume. Contudo, não era avistada por aqueles que olhassem para o alto da
montanha nem por qualquer um que ali chegasse.
Porém tudo pairando dúvidas, sem que ninguém
jamais tivesse confirmado a existência daquele templo. E eis também outro
mistério: quem adentrasse no templo jamais voltaria com a mesma percepção de
vida. E por isso mesmo guardava eterno silêncio sobre o que encontrou por lá.
Tudo isso impregnava a sua mente de tal forma
que chegava a sonhar subindo à montanha. Então levantava num pulo e corria para
abrir a janela. E em meio à escuridão começa a olhar na direção do monte,
enxergando apenas as sombras de sua formação. E tantas vezes parecia-lhe ter
avistado um pontinho de luz lá em cima.
Mas agora, aproveitando o feriado prolongado,
decidiu satisfazer seu desejo espiritual. Mas não significava subir à montanha
e voltar ao cair da tarde do mesmo dia. Seu intento era muito maior, pois no
alto da montanha permaneceria até depois de três ou quatro dias. Talvez retornasse
na quarta-feira de cinzas.
Amanheceu de embornal já pronto, e de chinelo
de dedo foi se afastando rumo à saída da cidade, na direção da montanha.
Caminhou por estrada de terra, depois entrou em veredas até chegar ao pé do
monte. Daí em diante os momentos mais difíceis da caminhada, pois terreno
íngreme demais, cheio de pedras e espinhos, além de bichos peçonhentos
perigosos.
Santo sacrifício. Quanta mais avançava e se
esforçava para subir e vencer as pedras pontiagudas mais se lanhava, sentia as
pernas e os pés sendo feridos e o corpo inteiro tomado de dor e cansaço. Mas
sentiu um alívio indescritível quando colocou o pé lá no alto.
Havia vencido as dificuldades e alcançado o
cume da montanha. E agora? A primeira coisa que fez foi descer o embornal,
procurar a Bíblia e depois abri-la em Lucas 6:12, para ler em voz alta: E
aconteceu que naqueles dias subiu ao monte a orar, e passou a noite em oração a
Deus.
Eis o refúgio buscado. Subiu ao monte para
orar, para refletir e meditar, talvez para encontrar seu Deus e dialogar.
Sentindo o perfume suave da brisa, recolheu uma flor e lançou-a ao alto cheio
de satisfação. Mas ela não retornou.
Em seguida se ajoelhou para orar e de olhos
fechados agradeceu pela imensa conquista de estar ali. Ao abrir os olhos avistou
um templo, uma igreja adiante. Eis que ela existe, pensou. Mas será que sou
digno de encontrá-la, indagou.
Ele ainda continua por lá, no alto da
montanha. Ao descer, talvez revele à vida a força da fé. E o que aconteceu
depois de ter avistado o templo. Mas uma coisa há de ser logo revelada: aquela
igreja já havia subido com ele no seu coração.
Não somente a igreja no coração, mas também
Deus com as chaves do templo.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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