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quinta-feira, 27 de março de 2014

FEUDAIS (AINDA)


Rangel Alves da Costa*


As concepções medievalistas de poder e de mando ainda possuem guarida no mundo contemporâneo, neste mesmo mundo onde se supunha superadas as relações absolutistas e de obediência servil. Eis que muitos senhores - que se alardeiam ungidos pela democracia e pelo respeito às leis - continuam mantendo sob muros feudais, impenetráveis e fechados a quatro chaves, os espaços coletivos que imaginam como unicamente seus.
Quando se diz que este ou aquele senhor tem como feudo aquilo que pressupõe democracia ou que o possui como se dono fosse e nisto pretendesse se perpetuar, eis alguns aspectos do ranço feudalista moderno. Se num tempo distante o poder absoluto era exercido nos intramuros das cidadelas e arredores, hoje pode ser percebido perante as instituições e até mesmo na vida social.
São as relações feudais transpostas ao mundo novo. Historicamente, o feudalismo pode ser conceituado como um modo de organização social, político e cultural baseado no regime de servidão, onde o trabalhador rural era o servo do grande proprietário de terras, o senhor feudal. O feudalismo predominou na Europa durante toda a Idade Média, entre os séculos V e XV.
No feudalismo, um senhor proprietário de terras mantinha sob seu domínio tudo que houvesse nos limites do seu feudo, desde a produção à liberdade de seus servos e coleta de impostos. Caracterizava-se principalmente poder absoluto nas mãos dos senhores feudais e utilização do trabalho servil. Os servos responsabilizavam-se pela produção de alimentos e os senhores feudais cuidavam principalmente de providenciar meios para defesa de seu poder e de sua propriedade.
A sociedade moderna geralmente vê como absurdas as práticas feudais, sequer procurando enxergar o momento histórico como propícia aos abusos de dominação, exploração, de servidão. Ora, era uma relação entre poderosos e servos, entre o mando e a obediência, sem leis que regrassem tais relações. Contudo, a mesma sociedade muitas vezes mantém os olhos bem fechados para as novas feições feudais que podem ser encontradas ali e acolá.
Para se ter uma ideia, senhores existem que se apegam ao mando, ao comando, ao poder de tal forma que passam a imaginar estar diante de uma propriedade exclusivamente sua. Agem ainda como o velho senhor feudal que ordena, que submete, que apenas diz como deve funcionar. De tanto interiorizar que não apenas comanda, mas que é realmente dono, sequer lhe vem à mente - em manobras sempre tendentes à perpetuação - que mais tarde possa estar do outro lado, ou seja, recebendo ordens e obedecendo a estatutos e leis.
E realmente tudo faz para não entregar o bastão, ainda que o seu comando seja por prazo determinado, o seu poder esteja delimitado por lei, o seu reinado tenha momento certo para acabar. E, como no feudalismo, lançam mão de todas as armas para não repassar o poder a ninguém, ainda que seja um par com maior capacidade de gestão. E o poder que deveria ser gerido democraticamente, observando os processos de escolha, acaba se transformando numa tirania inaceitável.
Inaceitável, porém mantida pela mão forte e as manobras de dominação. Se no feudalismo real o senhor somente era destronado pelas guerras empreendidas pelos inimigos igualmente poderosos, no feudalismo moderno geralmente é a via judicial o caminho mais recorrente para se acabar com os ranços absolutistas. Por isso tantas e tantas vezes os próprios pares recorrem ao judiciário para afastar do comando aquele que se prega na cadeira e dela decide não mais sair.
Os novos senhores feudais usam as armas mais inimagináveis para não deixar os tronos que interiorizam como seus. Estatutos são rasgados, negados ou descumpridos; leis perdem vigência pelo próprio punho do poderoso; manobras ardilosas são empreendidas, geralmente com a conivência de alguns membros, para que os opositores sejam  desacreditados ou que se vejam sem qualquer chance de arrancar do pedestal a pedra dura da tirania e da imoralidade.
E os novos senhores feudais, tantos e tantos que se acham mais poderosos que tudo, se presumem sempre acima da lei e tão importantes que se imaginam incontestáveis, estão nas entidades de classe, nos clubes de futebol, nas academias literárias e por todo lugar. Em cada um destes organismos os estatutos são claros, induvidosos, afirmando sempre que o comando deverá ser exercido por determinado período, com possibilidade de reeleição. Mas não de perpetuação.
Contudo, o que sempre se vê sãos os regimentos, leis e estatutos apodrecendo debaixo do braço destes senhores ou sendo zelados pelos cupins de suas gavetas. E quantos feudos ainda encastelados em Sergipe. Que venha o rei da moralidade para destroná-los.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com   

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