Rangel Alves da Costa*
As concepções medievalistas de poder e de
mando ainda possuem guarida no mundo contemporâneo, neste mesmo mundo onde se
supunha superadas as relações absolutistas e de obediência servil. Eis que
muitos senhores - que se alardeiam ungidos pela democracia e pelo respeito às
leis - continuam mantendo sob muros feudais, impenetráveis e fechados a quatro
chaves, os espaços coletivos que imaginam como unicamente seus.
Quando se diz que este ou aquele senhor tem
como feudo aquilo que pressupõe democracia ou que o possui como se dono fosse e
nisto pretendesse se perpetuar, eis alguns aspectos do ranço feudalista
moderno. Se num tempo distante o poder absoluto era exercido nos intramuros das
cidadelas e arredores, hoje pode ser percebido perante as instituições e até
mesmo na vida social.
São as relações feudais transpostas ao mundo
novo. Historicamente, o feudalismo pode ser conceituado como um modo de
organização social, político e cultural baseado no regime de servidão, onde o
trabalhador rural era o servo do grande proprietário de terras, o senhor
feudal. O feudalismo predominou na Europa durante toda a Idade Média, entre os
séculos V e XV.
No feudalismo, um senhor proprietário de
terras mantinha sob seu domínio tudo que houvesse nos limites do seu feudo,
desde a produção à liberdade de seus servos e coleta de impostos.
Caracterizava-se principalmente poder absoluto nas mãos dos senhores feudais e
utilização do trabalho servil. Os servos responsabilizavam-se pela produção de
alimentos e os senhores feudais cuidavam principalmente de providenciar meios
para defesa de seu poder e de sua propriedade.
A sociedade moderna geralmente vê como
absurdas as práticas feudais, sequer procurando enxergar o momento histórico
como propícia aos abusos de dominação, exploração, de servidão. Ora, era uma
relação entre poderosos e servos, entre o mando e a obediência, sem leis que
regrassem tais relações. Contudo, a mesma sociedade muitas vezes mantém os
olhos bem fechados para as novas feições feudais que podem ser encontradas ali
e acolá.
Para se ter uma ideia, senhores existem que
se apegam ao mando, ao comando, ao poder de tal forma que passam a imaginar
estar diante de uma propriedade exclusivamente sua. Agem ainda como o velho
senhor feudal que ordena, que submete, que apenas diz como deve funcionar. De
tanto interiorizar que não apenas comanda, mas que é realmente dono, sequer lhe
vem à mente - em manobras sempre tendentes à perpetuação - que mais tarde possa
estar do outro lado, ou seja, recebendo ordens e obedecendo a estatutos e leis.
E realmente tudo faz para não entregar o
bastão, ainda que o seu comando seja por prazo determinado, o seu poder esteja
delimitado por lei, o seu reinado tenha momento certo para acabar. E, como no
feudalismo, lançam mão de todas as armas para não repassar o poder a ninguém,
ainda que seja um par com maior capacidade de gestão. E o poder que deveria ser
gerido democraticamente, observando os processos de escolha, acaba se
transformando numa tirania inaceitável.
Inaceitável, porém mantida pela mão forte e
as manobras de dominação. Se no feudalismo real o senhor somente era destronado
pelas guerras empreendidas pelos inimigos igualmente poderosos, no feudalismo
moderno geralmente é a via judicial o caminho mais recorrente para se acabar
com os ranços absolutistas. Por isso tantas e tantas vezes os próprios pares
recorrem ao judiciário para afastar do comando aquele que se prega na cadeira e
dela decide não mais sair.
Os novos senhores feudais usam as armas mais
inimagináveis para não deixar os tronos que interiorizam como seus. Estatutos
são rasgados, negados ou descumpridos; leis perdem vigência pelo próprio punho
do poderoso; manobras ardilosas são empreendidas, geralmente com a conivência
de alguns membros, para que os opositores sejam
desacreditados ou que se vejam sem qualquer chance de arrancar do
pedestal a pedra dura da tirania e da imoralidade.
E os novos senhores feudais, tantos e tantos
que se acham mais poderosos que tudo, se presumem sempre acima da lei e tão
importantes que se imaginam incontestáveis, estão nas entidades de classe, nos
clubes de futebol, nas academias literárias e por todo lugar. Em cada um destes
organismos os estatutos são claros, induvidosos, afirmando sempre que o comando
deverá ser exercido por determinado período, com possibilidade de reeleição.
Mas não de perpetuação.
Contudo, o que sempre se vê sãos os
regimentos, leis e estatutos apodrecendo debaixo do braço destes senhores ou
sendo zelados pelos cupins de suas gavetas. E quantos feudos ainda encastelados
em Sergipe. Que venha o rei da moralidade para destroná-los.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário