Rangel Alves da Costa*
Aos domingos sempre gosto de preparar um
regabofe diferenciado, mais apetitoso. Sou amigo do pernil e da feijoada, mas
também de qualquer comida que seja feita com carne nova, comprada na feira. Com
a intenção de preparar uma panelada mista de carne de gado com carne de porco e
fígado, me dirigi ao principal mercado aracajuano.
Ao lado do centro da cidade, o mercado fica
apenas a uns quatro quarteirões de minha casa, mas em cujo percurso tenho de
passar por botecos e bordéis com fachada de pousadas e encontrar bêbados e
prostitutas ainda em pé da noite passada. Parece que não dormem essas mulheres
que amanhecem e anoitecem fazendo ponto aos pés das escadas e nos bares
“proibidos”.
Todas as vezes que sigo em direção ao
mercado, em torno das seis da manhã, encontro as ditas mulheres da vida já na
espreita de macho. Algumas novinhas e já envelhecidas, outras mais velhas e já
parecendo mumificadas, mas todas sempre banhadas de perfumes baratos, batons
vermelhos além dos lábios e ruges nas faces sem cor. De vez em quando ouço um
psiu, mas quase sempre tenho de oferecer um ou dois cigarros.
Mas neste último domingo de março aconteceu
algo inusitado. Ao seguir pela conhecida rua, mais adiante avistei uma dessas mulheres
conversando com um homem. Logo imaginei que estivessem acertando preços ou
coisa assim, mas ao me aproximar mais percebi uma Bíblia aberta na mão do rapaz
e ele tentando converter a prostituta. Ora, eu nunca tinha presenciado nada
igual.
Logicamente que não parei para ouvir o que
ele pregava tão fervorosamente, num esforço tremendo para manter sua atenção e
mostrar-lhe os caminhos da salvação. Rapidamente, mas não pude deixar de ouvir
palavras como o pecado mortal do corpo, a necessidade de fugir da prostituição
para receber os grandiosos favores do Senhor, a vida pecadora como porta aberta
para o fogo eterno do sofrimento. E também o ouvi dizer que está escrito em
Gálatas 5.
Não pude ouvir os versículos, mas logo me
veio à mente a passagem em Gálatas que remete aos pecados da carne: “Ora, as obras da carne são manifestas:
imoralidade sexual, impureza e libertinagem; idolatria e feitiçaria; ódio,
discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja; embriaguez,
orgias e coisas semelhantes. Eu os advirto, como antes já os adverti: Aqueles
que praticam essas coisas não herdarão o Reino de Deus”.
E certamente também mostrou na Bíblia em sua
mão o que está escrito em Jeremias 3:2: "Olhe para o campo e veja: Há
algum lugar onde você não foi desonrada? À beira do caminho você se assentou à
espera de amantes, assentou-se como um nômade no deserto. Você contaminou a
terra com sua prostituição e impiedade”. E também as palavras em Coríntios 1,
6:18: “Fujam da imoralidade sexual. Todos os outros pecados que alguém comete,
fora do corpo os comete; mas quem peca sexualmente, peca contra o seu próprio
corpo”.
Dobrei a esquina ainda imaginando aquela
cena. Com a Bíblia à mão, o rapaz pregava como se realmente estivesse disposto
a tirar aquela mulher daquela vida de pecados, de prostituição e lascívia. E
ela, com um leve sorriso nos lábios vermelhos, apenas olhava nos olhos do
pregador como se estivesse apenas esperando o momento de falar, de defender a
tese de seu corpo e de seu ofício na vida.
Ao retornar, ansioso para saber o desfecho
daquela conversão dominical, não avistei mais nem o rapaz nem a mulher. Não
pensei duas vezes e perguntei a outra que estava na calçada se havia visto
aqueles dois que tanto conversavam por ali. E emendei perguntando se ele havia
conseguido converter a mulher. E sorrindo ela respondeu:
“Que nada. Quem converteu ele foi ela. Agora
estão lá em cima no bem bom, mostrando como se faz um pecado”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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