Rangel Alves da Costa*
Destino é geralmente conceituado como uma
força sobrenatural que atua sobre o ser humano e as circunstâncias que este vai
enfrentado ao longo da existência. É uma combinação de acontecimentos que
influenciam e norteiam a vida. É visto também como uma sucessão inevitável de
acontecimentos. E inevitável porque já traçado, desde antes do nascimento, por
uma força superior.
Muita gente diz que a sina do homem é traçada
no dia a dia, no bem ou mal que faça a cada passo, naquilo que escolhe como
percurso. Certamente outros creem numa força divina premeditando a estrada a
ser percorrida, tudo que nela se faça. Mesmo não crendo, dificilmente a pessoa
desacredita totalmente na interferência de forças misteriosas nos seus afazeres.
Por isso mesmo que a culpa é imputada ao destino quando as coisas não acontecem
como esperadas ou desejadas.
Em determinados contextos, contudo, acreditar
no destino é também acreditar que determinadas pessoas são destinadas a ter o
mesmo fadário, a mesma sina, pois vivendo sempre na mesma situação, tendo
praticamente as mesmas alegrias e sofrimentos, pisando os mesmos espinhos e
colhendo sempre as flores murchas a elas não destinadas. E assim porque pessoas
designadas a sofrer na pele as agruras do tempo e no âmago a estrela do
padecimento.
Desse modo, haveria de se indagar se grande
parte do povo sertanejo nasce tendo por destino padecer para existir e
sobreviver diante de um meio tão árido e árduo. E muitos haverão de afirmar que
somente o destino ingrato para que seres humanos nasçam reféns das propensões
das forças da natureza e assim permaneçam sem outro afazer que não esperar a
chuva cair, molhar a terra, juntar água na fonte e permitir algum plantio e
qualquer colheita. E somente isso na vida, no máximo merecimento que possa ter.
Por outras palavras, seria preciso questionar
se o sofrimento tão conhecido do homem das distâncias matutas é fruto de uma
sina ou é mera consequência da propensão do lugar. Mas ainda assim forçoso
seria reconhecer o destino diferenciado também da terra e não apenas do homem. E
inevitável que se questione o porquê de as chuvas serem tão escassas, o sol
descer parecendo mais abrasador, as dificuldades de sobrevivência tanto se
alastrar nas suas distâncias.
De qualquer forma, nascer no sertão sempre
significou tempos difíceis na existência e uma soma de carências que não se
avolumam ainda mais por causa da fé e religiosidade tão arraigadas na alma de
sua gente. Neste caso, o próprio sertanejo se permite dizer que Deus há de
proteger o homem diante do seu destino. E acabam se convencendo que nem tudo
nasceu para ser paraíso, cabendo ao homem lutar para vencer as dificuldades e
transformar a dura realidade numa situação aceitável. Não há outro jeito, não
há o que fazer.
Tais divagações surgiram depois de uma visita
que fiz nesta última semana ao sertão sergipano, durante breves instantes, mas
extremamente proveitosos diante de um diálogo mantido com um amigo ali
residente. Ainda moço, mas já casado e possuidor de quatro ou cinco vaquinhas,
indagado acerca da situação de dificuldades com a escassez de chuvas e da falta
de alimento para o gado e água para gente e bicho, ele acabou revelando o passo
e o compasso da vida no sertão. E que outra coisa não é senão o destino, a sina
da terra e do sertanejo.
Eis o relatado, como confirmação de
inevitável sina: A terra seca demais, se chove um pouquinho a água juntada logo
vai embora. Sem chuva não há plantação, não há colheita, e todo alimento é de
carestia desenfreada. Sem chuva o homem não trabalha a terra, não há emprego nem
ganha-pão. Quem tem filho se vira como pode para diminuir a fome dos inocentes.
Quando o tanque seca de vez e a gente passa a depender somente de um carro-pipa
que passe e deixe dois baldes de água ainda vai. Mas piora muito quando nem
assim acontece, eis que mesmo o pobre tem de se virar para comprar carrada
d’água.
E prossegue: Quem tem uma ou duas vaquinhas,
só mantém as bichinhas pelo apego que tem a elas. Palma não existe mais pelos
pastos que sirvam de alimento. Nada cresce no pasto que possa ao menos enganar
a fome dos bichos. E um saco de farelo de soja, que custa cerca de oitenta
reais, nem todos pode comprar. Quando compra é pra ver se ainda consegue tirar
algum leite. Mas quando tira vem outro problema. As indústrias beneficiadoras
só querem pagar menos de um real por litro. Só há um ganho a mais se o leite
for vendido de porta em porta, quando o preço alcança pouco mais de um real e
cinquenta centavos. Quer dizer, acaba nem cobrindo as despesas com a manutenção
das vaquinhas. E tudo sempre assim, no destino de sempre.
Como observado, tal cotidiano sertanejo, e
que se repete desde que sertão é sertão, não deixa muita margem para pensar
diferente: ali há uma sina que se cumpre, acreditando ou não em destino. Tudo
que progride ou é transformado ganha apenas outra aparência, mas sem jamais
deixar no esquecimento a velha noção de uma terra de uma gente carregando a sua
cruz. E a cruz do destino sertanejo.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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