Rangel Alves da Costa*
Há uns quinze dias, viajando rumo ao sertão,
avistei um pequeno circo numa beira de estrada, nos arredores de uma cidade.
Estava totalmente armado, creio que já em funcionamento, mas nada parecendo com
outros circos que costumeiramente cruzavam a região para apresentar “o maior
espetáculo da terra”.
Não divisei uma grande armação desmontável
com bandeirolas ao redor nem o cercado separando a arena e a entrada da
bilheteria. Mas percebi tratar-se realmente de um circo pela lona circular, de
um amarelo desgastado e carcomido, no reduzido formato das pretensões
circenses. Como geralmente acontecia com outros circos, neste não enxerguei
qualquer vagão destinado ao transporte dos equipamentos e atrações.
Aquela visão do circo, principalmente daquela
estrutura empobrecida, penosamente levantada quase na beira de uma estrada, ao
lado de redondezas não menos empobrecidas de uma cidade, causou-me, a um só
tempo, alegria e tristeza. Regozijo por haver reencontrado, depois de tantos
anos, um circo armado na região interiorana. E consternação pelas condições
deploráveis certamente presentes no representante do maior espetáculo da terra.
Nos dias atuais, se tornou raridade encontrar
um circo com suas lonas erguidas e suas tendas espalhados ao redor. Sumiram
também as caravanas ciganas, as touradas em arenas levantadas para tal fim, os
espetáculos mambembes que percorriam cidades interioranas levando alegria e
diversão às comunidades. Nem nas grandes cidades ou capitais os circos são
encontrados. Apenas um ou outro que chega para ligeiras temporadas. Somente os
parques de diversões ainda são encontrados com frequência em épocas festivas e
de final de ano.
Mas é lamentável o que aconteceu com o circo.
O anúncio de sua chegada era motivo de rebuliço festivo em qualquer lugar.
Contudo, não se vê mais aquele cortejo atraente, com carros carregando em
segredo as grandes atrações. O que se tem, e quando ainda é possível encontrar,
são trupes empobrecidas que vagueiam pelos interiores muito mais em busca de
meios de sobrevivência, de qualquer ingresso adquirido que ajude a subsistir.
Ao menos no que avistei, talvez apenas a
velha lona amarelada, cheia de remendos, encobrindo o pequeno círculo da arena
e do picadeiro. Certamente não havia cadeiras, palco para apresentação das tão
esperadas dançarinas, instrumentos musicais. Talvez um palhaço triste e um
trapézio quebradiço. E nem sei se alguma atração especial, como o homem que
cospe fogo ou a mulher de borracha.
Longe de imaginar existir ali as grandes
atrações guardadas em segredo, fascínios necessários nos circos de antigamente.
Foi-se o tempo, ao menos nos rincões interioranos, dos espetáculos aguardados
por todos da redondeza. Era a grande oportunidade para ver o atirador de facas,
os melhores palhaços, as rumbeiras de coxas grossas, os malabaristas e
trapezistas, além das surpresas: o animal de duas cabeças, o leão domado na
presença do público.
Aquela trupe mambembe pobre e de beira de
estrada é o que resta de uma tradição valorizada e reconhecida por tanto tempo.
Tanto era fato importante na vida da comunidade que a sua chegada era
antecedida da visita de um carro de som percorrendo as ruas para anunciar que
dali a dois ou três dias a grande companhia circense estaria se instalando em
determinada localidade. E daquela vez com atrações imperdíveis.
“Atenção, atenção, já se encontra nessa linda
cidade o maravilhoso Circo Cigano, com as mais belas atrações da face da terra.
Palhaços, domadores, dançarinas, cuspidores de fogo, atiradores de facas, ilusionistas,
além de outras grandes atrações. E exclusivamente para vocês a mulher barbada,
o macaco que fala e o sensacional homem sem cabeça, além da atração maior: a
mulher invisível”.
A novidade certamente que encantava não só a
criançada como todos os habitantes do lugarejo. Povoação de fim de mundo, longe
de tudo, sem nada que permitisse fugir do cotidiano de sol, calor, lua imensa,
com as mesmas caras de esquina a esquina, tudo numa mesmice danada, a chegada
de um circo era realmente uma novidade maravilhosa. E não esquecendo o tão
necessário sorriso diante de toda dor.
Mas os circos de verdade sumiram. Os grandes
Tihany, Di Roma, Royal, Orlando Orfei e o Garcia, este considerado o rei dos
circos, infelizmente também fazem parte de um passado cuja glória silenciou de
aplausos. Os que ainda permanecem como grandes inovaram de tal modo que mais parecem
parafernálias tecnológicas ou com performances estonteantes, como o Cirque du
Soleil.
Aquele avistado na região sertaneja talvez
fosse apenas uma lona descendo em círculo para encenar o outro espetáculo da
vida, aquele da realidade. Iguais retirantes das secas, seus integrantes vão
apenas seguindo adiante na esperança por dias melhores. E tristemente me
indaguei: será que hoje tem espetáculo?
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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