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terça-feira, 11 de março de 2014

NO MEIO DO CAMINHO TEM UMA PEDRA


Rangel Alves da Costa*


Na poesia de Drummond, no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho. Tinha uma pedra, no meio do caminho tinha uma pedra. E mais adiante o poeta diz que jamais se esquecerá, na vida de suas retinas tão fatigadas, que no meio do caminho tinha uma pedra. Mas infelizmente, meu bom itabirano, só posso afirmar que a pedra continua no meio do caminho.
Verdade que não sei se a mesma pedra da poesia, mas tenho a máxima certeza que ela continua por lá, e em todo lugar, em meio de todo caminho, toda pontuda, ameaçadora, esperando apenas o caminhante desavisado para machucar o seu pé. E depois lancinando tudo, do corpo à alma. E o pior que nunca está sozinha, pois ao lado da pedra se espalham os espinhos ávidos para ferir a vida.
Quem dera a poesia de Drummond pudesse ser lida apenas como uma metáfora das dificuldades que inevitavelmente encontramos pela estrada. Mas não, eis que o caminho citado na poesia, e que guarda no seu leito a pedra, continua ameaçador na realidade. E a pedra, ganhando formas e feições diferentes, se amolda na violência, na arrogância, na desumanidade, na injustiça, no olhar distorcido perante determinadas pessoas e classes sociais.
E quantas pedras recolhidas no meio do caminho para serem arremessadas perante o sujeito e sua condição econômica, diante o indivíduo e sua cor, ante a pessoa e sua opção sexual. Pedra atirada em qualquer que queira simplesmente passar. Verdadeiros pedregulhos são arremessados naqueles que não se amoldam às feições capitalistas da sociedade, aos modismos exorbitantes, aos credos que são considerados como imposições. 
E quantas e tantas outras pedras no meio do caminho! Por mais que o asfalto passe por cima de toda terra e chão, ainda assim a pedra continuará no mesmo lugar, indestrutível. Dia e noite e a pedra afrontosa no mesmo percurso. E assim porque pedra fincada pelo próprio homem a cada instante. Na ação humana o grão da maldade, a poeira da ira, que vai se juntando para petrificar aquilo que tanto ameaça o próprio homem na sua caminhada.
Um caminho de pedras que infelizmente não machuca apenas o pé de quem espalha as pontiagudas armadilhas. Por ser uma só estrada - a da vida -, por ela caminha também a inocência, a infância, o bom coração, a ética e a moralidade, a fraternidade, a paz. E acabam sendo tentados, machucados, aviltados, tantas vezes corrompidos pela maldosa semeadura dos outros. Daí que é preciso ter muita força e determinação para seguir adiante sem que o passo tenha experimentado desvios inesperados.
Mas a poesia drummondiana, ao afirmar que jamais esquecerá, na vida de suas retinas fatigadas, que no meio do caminho tem uma pedra, pode levar a uma significação ainda mais dolorosa para muitos: o tempo que passa, a idade que chega, o envelhecimento, as retinas fatigadas pelos dias idos. Que bela é a estrada da vida, no seu passo e seu percurso, mas que não se pode fugir da idade que vai consumindo, do tempo que vai transformando a vida em outono e o ser humano em folha seca.
Na estrada da vida, quanto mais o percurso mais encontros irão acontecer. E certamente o encontro com a pedra da idade. Verdadeiro rochedo, penhasco imenso, e o homem já cansado pela caminhada, já com as retinas fatigadas, tantas vezes sequer pode contorná-lo para seguir adiante. Simplesmente senta em cima da pedra da impossibilidade e vai deixando o tempo passar e a idade dizer quantos horizontes ainda poderão ser avistados.
Mas a pedra drummondiana certamente não está sozinha no meio do caminho. Todo caminho carrega no seu leito outras coisas desejáveis e indesejáveis. Labirintos ameaçadores podem ser avistados, tocos de paus espalhados ao redor, mas também flores ladeando a estrada. E é por esse caminho aparentemente florido que o homem caminha até encontrar obstáculos, qualquer coisa assim como uma pedra de ponta amolada e traiçoeira. E tudo significando que a caminhada humana é feita por estradas que sempre guardam surpresas e segredos, ainda que parecendo um caminho apenas de paz.
Infelizmente não há como fugir do encontro com a pedra. O caminho já começa logo adiante do batente da porta, e mesmo dentro de casa. Não há solado resistente que proteja dessa pedra, não há atalho ou desvio que faça dela fugir. E ela será avistada assim que o homem faça da pressa uma forma de conquistar passando por cima de tudo e de todos. Alguns podem ser subjugados pela ganância, mas não a pedra que estará adiante.
E ela certamente dirá que daqui passará, mas não sem antes experimentar a dor de sua ponta afiada.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Rangel: Após três dias de PANE nos seus computadores, você retornou ao blog com esta importantíssima crônica que é a realidade da vida: "NO MEIO DO CAMINHO TEM UMA PEDRA".
As pedras estão sempre em nosso caminho; não podemos ignorá-las.
Abraços,
Antonio José de Oliveira - Bela Vista - Serrinha - Bahia.