Rangel Alves da Costa*
Na poesia de Drummond, no meio do caminho
tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho. Tinha uma pedra, no meio
do caminho tinha uma pedra. E mais adiante o poeta diz que jamais se esquecerá,
na vida de suas retinas tão fatigadas, que no meio do caminho tinha uma pedra.
Mas infelizmente, meu bom itabirano, só posso afirmar que a pedra continua no
meio do caminho.
Verdade que não sei se a mesma pedra da
poesia, mas tenho a máxima certeza que ela continua por lá, e em todo lugar, em
meio de todo caminho, toda pontuda, ameaçadora, esperando apenas o caminhante
desavisado para machucar o seu pé. E depois lancinando tudo, do corpo à alma. E
o pior que nunca está sozinha, pois ao lado da pedra se espalham os espinhos
ávidos para ferir a vida.
Quem dera a poesia de Drummond pudesse ser
lida apenas como uma metáfora das dificuldades que inevitavelmente encontramos
pela estrada. Mas não, eis que o caminho citado na poesia, e que guarda no seu
leito a pedra, continua ameaçador na realidade. E a pedra, ganhando formas e
feições diferentes, se amolda na violência, na arrogância, na desumanidade, na
injustiça, no olhar distorcido perante determinadas pessoas e classes sociais.
E quantas pedras recolhidas no meio do
caminho para serem arremessadas perante o sujeito e sua condição econômica,
diante o indivíduo e sua cor, ante a pessoa e sua opção sexual. Pedra atirada
em qualquer que queira simplesmente passar. Verdadeiros pedregulhos são
arremessados naqueles que não se amoldam às feições capitalistas da sociedade,
aos modismos exorbitantes, aos credos que são considerados como
imposições.
E quantas e tantas outras pedras no meio do
caminho! Por mais que o asfalto passe por cima de toda terra e chão, ainda
assim a pedra continuará no mesmo lugar, indestrutível. Dia e noite e a pedra
afrontosa no mesmo percurso. E assim porque pedra fincada pelo próprio homem a
cada instante. Na ação humana o grão da maldade, a poeira da ira, que vai se
juntando para petrificar aquilo que tanto ameaça o próprio homem na sua
caminhada.
Um caminho de pedras que infelizmente não
machuca apenas o pé de quem espalha as pontiagudas armadilhas. Por ser uma só
estrada - a da vida -, por ela caminha também a inocência, a infância, o bom
coração, a ética e a moralidade, a fraternidade, a paz. E acabam sendo
tentados, machucados, aviltados, tantas vezes corrompidos pela maldosa
semeadura dos outros. Daí que é preciso ter muita força e determinação para
seguir adiante sem que o passo tenha experimentado desvios inesperados.
Mas a poesia drummondiana, ao afirmar que
jamais esquecerá, na vida de suas retinas fatigadas, que no meio do caminho tem
uma pedra, pode levar a uma significação ainda mais dolorosa para muitos: o
tempo que passa, a idade que chega, o envelhecimento, as retinas fatigadas
pelos dias idos. Que bela é a estrada da vida, no seu passo e seu percurso, mas
que não se pode fugir da idade que vai consumindo, do tempo que vai
transformando a vida em outono e o ser humano em folha seca.
Na estrada da vida, quanto mais o percurso
mais encontros irão acontecer. E certamente o encontro com a pedra da idade.
Verdadeiro rochedo, penhasco imenso, e o homem já cansado pela caminhada, já
com as retinas fatigadas, tantas vezes sequer pode contorná-lo para seguir
adiante. Simplesmente senta em cima da pedra da impossibilidade e vai deixando
o tempo passar e a idade dizer quantos horizontes ainda poderão ser avistados.
Mas a pedra drummondiana certamente não está
sozinha no meio do caminho. Todo caminho carrega no seu leito outras coisas
desejáveis e indesejáveis. Labirintos ameaçadores podem ser avistados, tocos de
paus espalhados ao redor, mas também flores ladeando a estrada. E é por esse
caminho aparentemente florido que o homem caminha até encontrar obstáculos,
qualquer coisa assim como uma pedra de ponta amolada e traiçoeira. E tudo
significando que a caminhada humana é feita por estradas que sempre guardam
surpresas e segredos, ainda que parecendo um caminho apenas de paz.
Infelizmente não há como fugir do encontro
com a pedra. O caminho já começa logo adiante do batente da porta, e mesmo
dentro de casa. Não há solado resistente que proteja dessa pedra, não há atalho
ou desvio que faça dela fugir. E ela será avistada assim que o homem faça da
pressa uma forma de conquistar passando por cima de tudo e de todos. Alguns
podem ser subjugados pela ganância, mas não a pedra que estará adiante.
E ela certamente dirá que daqui passará, mas
não sem antes experimentar a dor de sua ponta afiada.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Caro Rangel: Após três dias de PANE nos seus computadores, você retornou ao blog com esta importantíssima crônica que é a realidade da vida: "NO MEIO DO CAMINHO TEM UMA PEDRA".
As pedras estão sempre em nosso caminho; não podemos ignorá-las.
Abraços,
Antonio José de Oliveira - Bela Vista - Serrinha - Bahia.
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