Rangel Alves da Costa*
Nos embornais do tempo estão guardadas as
palavras de Eulália Timbó, também conhecida por Lalinha Viçosa, testemunha
ocular da saga cangaceira na sua vertente mais temida e fervorosa: o bando de
Lampião. Contudo, ao invés de tratar os das caatingas como bandoleiros sedentos
por vingança e sangue, a memorável sertaneja dizia que chegava a se arrepiar ao
recordar aqueles homens atraentes, misteriosos e sedutores.
Surgiam do nada para enfeitiçar corações que
sequer conheciam as armadilhas do amor; apareciam como se trouxessem poesia e
flores do campo na ponta do mosquetão; versos riscados na folha do punhal diziam
da vida dividida em tempo de lutar e tempo de amar. Como Lampião conquistando o
coração brejeiro de Maria, assim seus cabras faziam suspirar a mulherada por
onde passavam.
E acrescentava que não havia mocinha ou
donzela que não se tremelicasse por dentro, se arrepiasse todinha, só de ouvir
falar naqueles cabeludos, amorenados de sol, cheirando a suor perfumado de
mistura adocicada, com seus olhos brilhando igual lâmina afiada, mãos tomadas
de anéis e ornamentos se derramando pelas vestes terrosas. E também chegando
com versos na língua e gestos que atormentavam frágeis corações sertanejos.
Com razão a respeitável Eulália, igualmente
famosa por ter deitado nos escondidos da mataria com mais de dez cangaceiros.
Percorria léguas e léguas só pra sentir o perfume maturado em suor no seu
cangote. E se o bando estava nas redondezas, então se fazia de coiteira só pra
estar abrindo as pernas pra um e outro por detrás dos morros e moitas. Só não
era besta se enxerir pro Capitão. E com medo danado de levar uma surra bem dada
da ciumenta da Maria.
Safadezas eulalianas à parte, a verdade é que
cangaceiro tinha o dom nato da sedução, da subjugação de pobres e incautos
corações agrestinos. E não foi por outro motivo que muitas mocinhas, meninas
ainda, resolveram abandonar seus lares e seguir atrás do cheiro daqueles bichos
de mato e sem destino, numa vida errante e perigosa. E não adiantava a família
tentar impedir, pois fugiam de qualquer jeito e só iam se ter como adultas já
nas veredas sangrentas.
Por isso mesmo que muitos pais fugiam com a
filharada assim que se espalhasse a notícia que a cangaceirada estava por
perto. Sabiam muito bem do perigo que aqueles rapazes adornados representavam
perante os corações inocentes de suas filhas. Tinham conhecimento que por trás
daquelas feras se escondiam poetas, cantadores, bocas de doces palavras, gestos
de enfeitiçamento e sedução.
Ademais, eram tão misteriosos e encantadores
que amoleciam os olhares mais repulsivos. Extremamente vaidosos, vestidos com
imponência ainda que com suas roupas lanhadas da luta, tomados de preciosos
enfeites e sempre carregando por cima um cheiro misto de perfume e suor, um ou
outro usando óculos escuros, cabelos cuidados na brilhantina. Verdade é que dificilmente
se apresentavam sem que parecessem saídos de um salão de beleza.
Realmente causavam profunda admiração perante
as mocinhas nas frestas de suas janelas, nos escondidos das moitas, nos sonhos
em noites de solidão, pelos cantos dos salões em dias de festança forrozeira.
Geralmente cabeludos, com barbas feitas, usando a jabiraca ou lenço descendo
pelo pescoço, ostentado chapéus enfeitados de argolas douradas e ouro reluzindo
pelos dedos e até nos dentes, certamente que causavam uma estranha admiração
perante aquelas lindas matutas.
Alguns exímios dançarinos, outros poetas de
versos na ponta da língua, ainda outros bons na sanfona ou no pífano, quase
todos com algo muito além daquela visão primeira que se tinha, ou seja, umas
feras perigosas pelos carrascais espinhentos. Sim, eram extremamente perigosos,
violentos, até desumanos em muitas situações, mas também pessoas comuns,
jovens, rapazes, e com o dom incomparável de seduzir.
Naqueles idos, diante do fascínio e encanto
que causavam, os cangaceiros podiam ser comparados a artistas famosos,
verdadeiros galãs, desejados e sonhados por tantas e tantas jovens cabritinhas
daquele mundo de homens tão iguais. E eles eram diferentes, pois famosos e
temidos, mas também tão queridos e desejados. Mas sem nenhuma ilusão ou
fantasia no mundo em que representavam, senão as tragédias mais realistas a
cada cena.
Lalinha Viçosa, de coração apertado, ainda
recordava chorosa: Se soubesse que chorando empato a tua viagem, meus olhos
eram dois rios que não te davam passagem...
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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