SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 1 de março de 2014

TERRA NUA


Rangel Alves da Costa*


A terra está cada vez mais nua, devastada, deteriorada, despida de seu manto natural. Sem suas vestes, o corpo frágil padece, seu véu se transforma em cinzas, e o que resta são apenas vestígios de uma natureza pujante e protetora antigamente percebida. E as consequências recaem sobre os seres que acima da terra nua lutam para sobreviver.
A nudez da terra, contudo, não foi fruto do acaso, não foi culpa de uma ação repentina das forças naturais nem provocada por uma voraz ventania. É a lenta ação humana que age despindo o leito, retirando de seu seio cada pedaço de vida que lhe dá força e sustentação. É a mão do homem, sempre impulsionada pela ganância e sede de destruição, que vai afastando do leito natural tudo aquilo que permite a sobrevivência da terra e de todos aqueles que nela habitam.
Diferentemente do que ocorre em outras situações, quando a retirada do agasalho provoca friagem e estremecimento, a terra passa a se ressentir de calor quando se vê desabrigada, sem a cobertura tão essencial para a sua existência. E assim ocorre porque os raios solares passam a incidir onde está totalmente desprotegido, que é a terra nua. E o sol sobre a nudez acaba transformando o solo num metal aquecido que vai espalhando calor por todos os lados.
E por isso mesmo que o homem agora reclama tanto das altas temperaturas, do clima cada vez mais aquecido, dos dias demasiadamente quentes, do insuportável calor. Ano após ano e o indivíduo se sente mais calorento, correndo sérios riscos de saúde pelo excessivo aquecimento do corpo. Do mesmo modo ocorre com a terra e sua vegetação, que se veem quase num outono infinito, quando já não totalmente transformada em deserto.
Acaso olhasse para trás, se tivesse a preocupação de procurar saber as motivações de o calor ter chegado a tal nível, logo teria na nudez da terra, provocada pelo homem, a verdadeira explicação. Eis que tudo revestido sob o manto da normalidade, da natureza em seu processo, até que o indivíduo acostumou a retirar do meio sempre além do necessário. E não há riqueza que não pereça diante da contínua e desenfreada usurpação.
E retirando cada vez mais da natureza, de repente a visão do quanto já havia sido destruído. Mas nada que impedisse o homem de ir adiante com sua ação devastadora. A insensatez, a ânsia de destruir, de devastar, de prosseguir até a última derrubada.  Daí que o espanto de agora é fruto de um longo percurso. Surgido da ignorância acerca da natureza como fonte inesgotável e chegando à estupidez de se imaginar que tudo que é retirado da terra pode ser reposto a qualquer instante.
E a ignorância parece se eternizar ao não perceber o quanto o planeta já foi devastado e as terríveis consequências dessa contínua destruição. Para muitos, tanto faz uma árvore a mais ou a menos, nenhuma importância terá se ela for preservada ou transformada em tronco apodrecido. Ora, posso derrubar agora cinco umburanas, dez craibeiras, vinte catingueiras, uma centena de árvores que mais tarde a própria natureza fará tudo nascer e crescer novamente. Assim a mentalidade destruidora e irracional.
A mentalidade da destruição parece cegar também para as ocorrências provocadas pelo que foi destruído. Se de repente o riacho que passa pelos arredores não recebe mais águas como antigamente, nem lhe passa pela cabeça que sua nascente foi desmatada; se as chuvas estão cada vez mais escassas e as estiagens mais prolongadas, nem lhe chega à mente que as mudanças climáticas são provocadas pela ação do homem perante a natureza.
Os que reconhecem a culpa do homem nem sempre se encorajam para enfrentar a verdade. Aqueles que fazem da preservação ambiental um sentido da própria existência correm sempre o risco da incompreensão e das perseguições. E ainda outros, sem o conhecimento real do problema, porém como agentes causadores, simplesmente preferem enfrentar as drásticas mudanças ocorridas muito mais como castigos divinos ou algo sobrenatural.
Mas a grande maioria nem procura obter respostas diante daquilo que vivencia. Não busca relembrar como era o clima por ali quando as grandes árvores sombreavam ao redor ou quando o descampado adiante era recoberto de arvoredos. Longe de esta maioria imaginar que cada árvore que destrói está ajudando a provocar a elevação desenfreada da temperatura, que cada coivara feita está empobrecendo a terra e a deixando infértil em pouco tempo. E que os campos desnudos representam um leito de morte para o planeta. 
Eis agora os frutos nefastos forçosamente colhidos pelo homem. E frutos amargos que ele mesmo plantou. Ou melhor, destruiu naquilo que brotava a vida, a seiva da natureza, a essência de um mundo criado para permanecer em equilíbrio. E vai-se uma árvore, depois outra e mais outra. Uma mataria, uma floresta inteira. E no seu lugar a crueza da terra nua, a vida sem seu manto protetor. E essa aflição de agora, esse terrível calor soprado ao reverso pelo próprio homem.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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