Rangel Alves da Costa*
A terra está cada vez mais nua, devastada,
deteriorada, despida de seu manto natural. Sem suas vestes, o corpo frágil
padece, seu véu se transforma em cinzas, e o que resta são apenas vestígios de
uma natureza pujante e protetora antigamente percebida. E as consequências recaem
sobre os seres que acima da terra nua lutam para sobreviver.
A nudez da terra, contudo, não foi fruto do
acaso, não foi culpa de uma ação repentina das forças naturais nem provocada
por uma voraz ventania. É a lenta ação humana que age despindo o leito,
retirando de seu seio cada pedaço de vida que lhe dá força e sustentação. É a
mão do homem, sempre impulsionada pela ganância e sede de destruição, que vai
afastando do leito natural tudo aquilo que permite a sobrevivência da terra e
de todos aqueles que nela habitam.
Diferentemente do que ocorre em outras
situações, quando a retirada do agasalho provoca friagem e estremecimento, a
terra passa a se ressentir de calor quando se vê desabrigada, sem a cobertura
tão essencial para a sua existência. E assim ocorre porque os raios solares
passam a incidir onde está totalmente desprotegido, que é a terra nua. E o sol
sobre a nudez acaba transformando o solo num metal aquecido que vai espalhando
calor por todos os lados.
E por isso mesmo que o homem agora reclama
tanto das altas temperaturas, do clima cada vez mais aquecido, dos dias
demasiadamente quentes, do insuportável calor. Ano após ano e o indivíduo se
sente mais calorento, correndo sérios riscos de saúde pelo excessivo
aquecimento do corpo. Do mesmo modo ocorre com a terra e sua vegetação, que se
veem quase num outono infinito, quando já não totalmente transformada em
deserto.
Acaso olhasse para trás, se tivesse a
preocupação de procurar saber as motivações de o calor ter chegado a tal nível,
logo teria na nudez da terra, provocada pelo homem, a verdadeira explicação. Eis
que tudo revestido sob o manto da normalidade, da natureza em seu processo, até
que o indivíduo acostumou a retirar do meio sempre além do necessário. E não há
riqueza que não pereça diante da contínua e desenfreada usurpação.
E retirando cada vez mais da natureza, de
repente a visão do quanto já havia sido destruído. Mas nada que impedisse o
homem de ir adiante com sua ação devastadora. A insensatez, a ânsia de
destruir, de devastar, de prosseguir até a última derrubada. Daí que o espanto de agora é fruto de um
longo percurso. Surgido da ignorância acerca da natureza como fonte inesgotável
e chegando à estupidez de se imaginar que tudo que é retirado da terra pode ser
reposto a qualquer instante.
E a ignorância parece se eternizar ao não
perceber o quanto o planeta já foi devastado e as terríveis consequências dessa
contínua destruição. Para muitos, tanto faz uma árvore a mais ou a menos,
nenhuma importância terá se ela for preservada ou transformada em tronco
apodrecido. Ora, posso derrubar agora cinco umburanas, dez craibeiras, vinte
catingueiras, uma centena de árvores que mais tarde a própria natureza fará
tudo nascer e crescer novamente. Assim a mentalidade destruidora e irracional.
A mentalidade da destruição parece cegar
também para as ocorrências provocadas pelo que foi destruído. Se de repente o
riacho que passa pelos arredores não recebe mais águas como antigamente, nem
lhe passa pela cabeça que sua nascente foi desmatada; se as chuvas estão cada
vez mais escassas e as estiagens mais prolongadas, nem lhe chega à mente que as
mudanças climáticas são provocadas pela ação do homem perante a natureza.
Os que reconhecem a culpa do homem nem sempre
se encorajam para enfrentar a verdade. Aqueles que fazem da preservação
ambiental um sentido da própria existência correm sempre o risco da
incompreensão e das perseguições. E ainda outros, sem o conhecimento real do
problema, porém como agentes causadores, simplesmente preferem enfrentar as
drásticas mudanças ocorridas muito mais como castigos divinos ou algo
sobrenatural.
Mas a grande maioria nem procura obter
respostas diante daquilo que vivencia. Não busca relembrar como era o clima por
ali quando as grandes árvores sombreavam ao redor ou quando o descampado
adiante era recoberto de arvoredos. Longe de esta maioria imaginar que cada
árvore que destrói está ajudando a provocar a elevação desenfreada da temperatura,
que cada coivara feita está empobrecendo a terra e a deixando infértil em pouco
tempo. E que os campos desnudos representam um leito de morte para o planeta.
Eis agora os frutos nefastos forçosamente
colhidos pelo homem. E frutos amargos que ele mesmo plantou. Ou melhor,
destruiu naquilo que brotava a vida, a seiva da natureza, a essência de um
mundo criado para permanecer em equilíbrio. E vai-se uma árvore, depois outra e
mais outra. Uma mataria, uma floresta inteira. E no seu lugar a crueza da terra
nua, a vida sem seu manto protetor. E essa aflição de agora, esse terrível
calor soprado ao reverso pelo próprio homem.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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