Rangel Alves da Costa*
A noite possui fogueiras imensas, brasas
ensandecidas que flamejam sedentas, línguas de fogo que derramam calor muito
além das paredes. Fogaréus crepitam e tostam a pele, tomam os juízos,
entontecem, adormecem, cravam o insuportável nos seres. E impiedosamente chegam
a matar.
Os dias chuvosos ou ensolarados, os corpos
aparentemente revigorados, as mentes visitadas pela racionalidade e a
normalidade camuflada em tudo, não permitem que as chamas irrompam com suas
línguas flamejantemente mortais. Eis que tudo adormecido nas cinzas, guardado
no silêncio das horas.
As cinzas mortas são apenas vestígios das
chamas ardentes da noite e madrugada passadas. Os resíduos calcinados se
avolumam nos espaços, nos corpos, nos seres, prontas para abrasar novamente. O
que foi ainda será porque novamente renascerão mais vivas, mais fortes, mais
abrasadores ao cair da noite e na escuridão adiante.
Ninguém avista, apenas sente as fogueiras
crepitando na escuridão. E os fogaréus noturnos se espalham de tal modo que os
seres parecem embebidos e incendiados. São os corpos ardentes, amorosamente
apaixonados, que crepitam, flamejam, soltam fagulhas e faíscas. E são outros
seres tomados dos reflexos desapiedados das fogueiras.
Assim, não são apenas corpos tomados de
ardências e chamas pelos amores extasiados, pelos braseiros invadindo os sexos
e as tentações. Mas também as labaredas que se derramam sobre os corpos
enfermos, sobre as mentes insanas, enlouquecidas, em tudo que seja modificado
pela luz da lua, pelo negrume da noite ou pelos misteriosos visitantes.
Ora, a noite possui o dom de modificar
pessoas, reacender as cinzas dos corpos, atiçar fogueira nos juízos fracos,
lançar labaredas sobre corpos enfermos e fragilizados. Após o entardecer, assim
que as sombras tomem os espaços, então tudo parece se modificar ferozmente. Quando
a noite desce então os gritos distantes começam a bradar.
Somente a noite para aumentar as agonias nos
corpos febris, para trazer de volta as doenças escondidas durante o dia,
despertar as dores, os gritos e os sofrimentos. Um dia inteiro com a saúde
parecendo revigorada, fortalecida, mas basta o sino tocar e tudo retoma seu
lugar de aflição. Noite de suores, padecimentos, sofrimentos mortais.
Infelizmente é assim. E é do conhecimento de
todos que a noite traz de volta as enfermidades, traz na escuridão a caixa de
padecimentos. O corpo apenas febril de repente parece querer incendiar, tornar
o doente em chamas. E torna, pois traz os maléficos com tamanho vigor que a
morte não demora a surgir. Daí os gritos desesperados na noite, as grandes
fogueiras da dor que crepitam ruidosamente.
Também o louco, ainda que tenha se mostrado com
juízo racional o dia inteiro, não suporta a chegada da noite, principalmente
quando de lua cheia. Então uma imensa fogueira toma sua mente e a faz querer
explodir. Dessa imperfeição da vida, sem saber o que fazer diante das chamas
que crepitam no juízo, se lança à janela, começa a gritar, quer subir à lua,
quer se jogar no mar.
Coisas da noite, mistérios e segredos da
noite. Também os lobos são tomados das chamas da solidão e correm às estepes
para gritar seus uivos mais tristes. E das portas e janelas é possível avistar
as fogueiras acesas ao longe, as chamas se espalhando no ar, labaredas
crepitando por cima de tudo. Mas apenas a visão do fogo, pois ele apenas na
imaginação de cada um.
Mas não há fogueira maior que a surgida nos
corpos sedentos, enamorados, apaixonados, em busca de sexo ou já se deixando
abrasar. Fogueiras pelos quartos, pelos corpos, nas alcovas, nos escondidos, em
todo lugar. E as chamam avançam tão freneticamente que os gemidos logo se
tornam grunhidos, os murmúrios ecoam prazeres gritantes. E os sexos abrasados
lançam suas lavas pelas encostas da noite.
E mesmo que a chuva caia, desça a maior
tempestade, nada consegue apagar as fogueiras da noite.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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