Rangel Alves da Costa*
História e ancestralidade não se apagam. Por
mais que o tempo tente modificá-los, talvez levá-los ao esquecimento, ainda
assim permanecerão como sombras nos cenários imorredouros do passado. E é por
isso mesmo, pela força das raízes ancestrais ainda vivas, que o velho Cacique
Serigy ainda pode ser avistado caminhando desolado na faixa litorânea de
Aracaju. E carregando uma tristeza infinda.
Mas por que, quase cinco séculos anos depois,
o velho cacique ainda deixa transparecer um semblante tão triste? Desde antes
de 1590, quando as tribos defensoras da terra foram conquistadas pelas tropas
comandadas pelo capitão Cristovão de Barros a mando da coroa portuguesa, que o
cacique tupinambá já amargava terríveis sofrimentos e antevia o trágico fim.
Contudo, como se verá mais adiante, são outros os motivos que tanto afligem o
cacique.
Desse modo, a tristeza de agora não está
diretamente relacionada com o que fizeram com o seu povo, com a covardia e
violência dos colonizadores depois de 1575. Até que estavam aceitando a
catequese dos jesuítas Gaspar Lourenço e João Salônio, mas a parceria se desfez
quando uma expedição comandada por Luiz Antonio de Brito, explorando as margens
do Rio Real, investiu contra os indígenas e suas propriedades. Os nativos
reagiram, expulsaram os jesuítas e ficaram esperando o pior, pois sabiam o que
aconteceria, como de fato aconteceu.
A reação indígena às afrontas da expedição
portuguesa, bem como a expulsão dos homens da cruz e da catequese, provocou
imediata reação da coroa. Até 1590, quando houve a investida final, inúmeros
foram os ataques dizimando tribos inteiras, massacrando guerreiros, matando,
aprisionando e colocando em fuga os maiores líderes indígenas: Siriry,
Pacatuba, Aperipê, dentre outros. Mas o líder maior, o Cacique Serigy, resistiu
e lutou até suas últimas forças. Foram mais de 30 anos confrontando a violência
colonizadora.
Lutou contra o destino, pois sabia que assim
estava escrito. Desde o início, desde o instante que os portugueses chegaram
com suas miçangas, já lia em tudo a má sorte que viria depois. Sabia que a
presença do homem branco, fosse pirata francês ou explorador português, seria o
prenúncio para a dizimação de todas aquelas nações indígenas que se espalhavam
pelas margens dos rios interiores e áreas litorâneas. Tribos tupinambá,
aramuru, karapotó, boiomé e kiriri, dentre outras, não sustentariam por muito
tempo uma guerra contra sanguinários conquistadores e suas armas famintas.
Triste sonho aquele - muito mais um terrível
pesadelo - quando Serigy, também chamado Baopeba, avistou o português encontrando
pela primeira vez o litoral sergipano. Levantou num pulo e reuniu, ainda no
meio da noite, os guerreiros de sua tribo para dizer sobre o mau sonho de
instantes atrás. Explorando o litoral após o descobrimento, barcos portugueses
divisaram o litoral sergipano. Mas tudo era sangue entre a margem e as
embarcações. E este mau presságio se confirmaria depois.
E a história confirmou o rio de sangue
adentrando o cais, as margens, avançando terra adentro, com sede do sangue
indígena. Por ser guerreiro lutou até o final, em defesa de seu povo tentou
resistir até que o grande pássaro, aquele mesmo que leva no bico o espírito dos
grandes guerreiros, subisse aos céus litorâneos de Aracaju com o velho cacique.
E o mesmo pássaro retornou, quase cinco séculos depois, para que Serigy,
entristecido, pranteasse nos areais do cais aracajuano o que estão fazendo com
a memória de outro famoso cacique: o Cacique Chá.
Tem-se, pois, que a tristeza do Cacique
Serigy, avistado em brumas ora pelos lados da Barra ora pelos arredores da Rua
da Frente, mas principalmente nas margens do Rio Sergipe, não possui outro
motivo que não pelo destino incerto que foi dado ao Cacique Chá, também de
valia inestimável na história aracajuana e sergipana. Cacique pela mente do
povo, pelo que a história da cidade passou a registrar como atrativo de
fundamental importância.
E tristeza justificada a de Serigy, pois o
Cacique Chá talvez tenha conseguido reunir ao seu redor, na grande fogueira dos
tempos, num cotidiano entre goles e proseados, verdadeiros guerreiros da
política e da intelectualidade sergipana. Além logicamente de uma gama infinita
de boêmios, noctívagos, beberrões contumazes, turistas, homossexuais e
prostitutas. Na tribo do velho Cacique Chá não havia preconceito e
discriminação. Bastava gritar pelos pajés Josias ou Dias e logo o remédio
estava servido.
Na oca do Cacique Chá o pintor Jenner Augusto
deixou significativa pintura num grande mural. Retrata exatamente aqueles
índios de antanho. E talvez também ali o Cacique Serigy seja avistado numa
tristeza infinda pelo que continuam fazendo com o seu amigo Cacique Chá.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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