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sábado, 27 de outubro de 2012

O QUE SAI DA BOCA COMO PALAVRA (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Na Bíblia, em Mateus 15:11, está escrito: “O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem”. Por sua vez, bebendo na fonte bíblica, a música também diz que o mal é o que sai da boca do homem.
Da boca do homem sai de tudo que se imagina, do encantador ao imprestável, mas principalmente o verbo, expressado através da palavra. E que bom seria se esse poder da palavra que o homem possui servisse apenas para o diálogo útil, o relacionamento, a manifestação cordial. Mas não, pois o ser humano sempre encontra um jeito de tornar veneno aquilo que nasceu hidromel.
Palavra é carícia, é afeto, é sentimento, mas também pedra, lâmina afiada, arma mortal. Por ser assim, a força das palavras produz situações impressionantes. No dito, a sentença, o convencimento, a aceitação, a revolta, a lágrima, a resposta. Possui poder tão ilimitado que chama à guerra, sela a paz, espalha a mentira e a derrocada de qualquer pessoa. Ferida aberta pela palavra é difícil de ser curada.
Mas o que será mesmo a palavra? Para uns é um vocábulo, é um som articulado, é a unidade da língua; para outros é a voz dando significação aos seres e coisas. Mas para outros é a arma sempre engatilhada ou no repouso do pensamento maldoso para ser utilizada a qualquer momento. E a boca como canhão, a voz como bucha, a expressão como estampido!
E não somente isto, vez que o seu uso tem servido para os mais abjetos propósitos. Eis os políticos, os falsos profetas, os discursistas larápios que se espalham pela sociedade. É neste contexto que a palavra se torna objeto de ingratidão humana: o seu uso racional, porém transformada em meio de dominação espúria, de mentira, amedrontamento e submissão.
Certa feita, e disto já se conta mais de dez séculos, um velho sábio instigado por seu jovem discípulo disse que o homem não precisaria da palavra se o outro pudesse ouvi-lo não através de sua voz, mas do verbo primeiro, puro, que está na sua consciência. Concordo plenamente. Sabendo a intencionalidade da palavra do outro, então não incorreria no perigo de estar ouvindo mentira como verdade fosse.
O velho sábio tinha plena consciência que as palavras são quase nada diante do pensamento. Ora, posso dizer o que quiser simplesmente para agradar, posso buscar os versos mais doces e encantadores para impressionar, posso mentir de tal forma que o outro pensará que jamais ouviu tanta verdade. Assim, se quem ouve não procura buscar as verdades escondidas, então será fácil demais continuar manipulando como quiser.
Daí que a certeza não está nem na palavra dita – que pode ser mentirosa, como demonstrado -, nem naquilo que o ouvinte acolhe como verdade. A palavra não pode ser jogada, simplesmente arremessada ao vento. Se a palavra nasce de alguém, então primeiro se deve entender a verdade desse alguém para, e somente depois, poder confiar naquilo que expressa.
Verdade é que na boca de espertalhões a palavra se torna tão mortal que não raro o frasco se derrama na boca do seu próprio dono. Conhecendo as nuances da língua, os termos cativantes, os modos de bem falar, então se arvoram do mundo. E saem criando argumentos, costurando frases que não passam de enganações. E quando encontram um de pouca sabedoria então fazem a festa. 
Por que digo isto? Ora, explico. Ora, o que são frases senão uma junção de palavras para dar sentido a alguma coisa; o que são frases que não significados repassados através de palavras? Mas o problema é que as frases, muitas vezes, não alcançam a significação proposta pelo mensageiro ou não são ouvidas a contento pelo interlocutor. Tantas outras vezes são ditas sem cabimento algum, mas que no fundo do fundo são mecanismos ardilosos utilizados para ludibriar.
E isto ocorre por diversos motivos. Se o mensageiro possui bom repertório de palavras, conhece bem aquelas que devem ser utilizadas na frase para ser compreendido, então não haverá maiores dificuldades. Mas a maioria das pessoas possui grandes limitações no uso da língua e, por isso mesmo, possui a capacidade reduzida de decifrar o que ouve. Por consequência, apenas ouve sem noção do que realmente seja ou sendo forçado a acreditar.
Por isso mesmo dizem que a palavra simplesmente aceita, sem jamais ser depurada ou conhecida nas suas entranhas, pode provocar danos irreversíveis, irreparáveis. E aquela que não é contraditada, rebatida, afeta ainda mais. E tudo porque a mente não soube enviar à boca a resposta exemplar diante de qualquer ofensa: “A sua razão é apenas sua, pois a mim compete saber a verdade, e não sei se está pronto a ouvi-la!”.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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