Rangel Alves da Costa*
O termo pedra aqui utilizado, além de significar o fragmento rochoso, o mineral endurecido encontrado no chão, é usado também metaforicamente para denotar qualquer coisa que possa ser jogada, destruída, estraçalhada. Mas também a ação rude, impensada, com laivos de insanidade.
Aqui está a pedra como instrumento e brinquedo do doido, aquela guardada na mão ou no bolso como arma de defesa ou ataque, mas também a pedra como atitude temerária, muitas vezes covarde, empreendida por pessoas que se dizem sãs. Estas, que são tidas como normais, agem de tal forma que dificulta uma compreensão ideal dos limites da loucura.
Quando alguém se refere a jogar pedra, logo o pensamento se volta ao ato próprio do doido, do maluco, do insano. Assim, atirar pedras passou a ter o significado comum de ação daquele que não tem o juízo bom, que é considerado doido de pedra.
Se alguém joga pedra na janela o outro logo pergunta se está ficando doido, se enlouqueceu ou coisa parecida. Se alguém é encontrado com pedras na mão, o outro olha logo desconfiado temendo a prática de ato insano. Então, a pedra se torna elemento de ligação essencial entre a razão e a loucura, segundo o seu uso.
Mas somente loucos jogam pedras, somente aqueles que não estão em perfeitas faculdades mentais estilhaçam vidraças, acertam os transeuntes, ferem os que passam, procuram atacar? E qual a diferença da pedra para a ofensa verbal, para outros instrumentos de ataque, para outras armas?
Não existem somente doidos de pedras, como também nem todos que quebram vidraças são considerados malucos. Insanos existem que vivem suas loucuras no silêncio do imaginário, do abstrato, da fantasia. Tem medo da lua cheia, podem temer o inexistente. Mas normais também existem que tomam para si as loucuras dos doidos e agem com premeditação, embora disfarçadamente.
Ninguém diz que é louco, chama de doido, ou evita aproximação, mas pela ação, pela atitude, pelo comportamento pessoal e social, muita gente que anda por aí tranquilamente deveria estar no lugar apropriado perante sua conduta. Neste caso, não um hospício ou outro centro psiquiátrico, mas onde possa ser penalizado judicialmente.
Parece ser, anda como tal, mas não pode ser visto como normal o sujeito que estupra vulnerável, que só age com violência perante os familiares e estranhos, que vive armando estratégias para subtrair o que é dos outros, que faz da prática de ilícitos uma forma de vida, que faz da corrupção uma prática corriqueira, que se arvora de poder para agir em confronto ao legalmente estabelecido ou socialmente desejado.
Ninguém diz que é doido, maluco, insano ou algo parecido, mas certamente não age com plenas faculdades da razão aquele que prega contra o pecado e age com promiscuidade contra crianças; aquele que julga e o faz pendendo a balança para o lado que lhe suborna; que comandando a administração pública torna a gestão um meio de enriquecimento pessoal; aquele que faz da política um meio de poder e o poder um meio de roubar, extorquir, subornar.
Certamente que doido algum, mas maluco mesmo de atirar pedras, teria discernimento para praticar tais atos. De certa forma, a loucura o imuniza, o incapacita para a deslavada roubalheira, para as ações nefastas e desavergonhadas, para a prática de espertezas que sempre vitimam pessoas comuns, aquelas mais pobres e socialmente mais fragilizadas. Neste sentido, viver para jogar pedras insanamente seria uma dádiva e não um transtorno.
O louco de pedra faz da inconsciência uma certeza de ação. O certo é o que lhe vem à mente, e aquele que tente atravessar seu caminho ou afirmar que aquilo que faz está errado, que diga que poderá ser penalizado por causa do seu ato, tenderá a se tornar sua vítima. A espontaneidade da ação, ainda que perigosa, não tem o condão de se ponderar acerca de seu acerto. Ora, é próprio do louco jogar pedra, principalmente em quem mexa com ele ou que diga que não deve jogar.
Diferentemente ocorre com o sadio e que procura se passar por louco. Se safadeza ou ilicitude fosse loucura, os centros urbanos, os órgãos públicos e os lares seriam pátios de hospícios.
Poeta e cronista
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