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terça-feira, 1 de janeiro de 2013

A CRIANÇA NASCEU! (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Enfim, a criança nasceu. Depois de tantas expectativas, ameaças, suspense, finalmente nasceu a criança gerada nos últimos 365 dias, durante um ano inteiro.
Tal qual a Fênix mitológica, nasceu das cinzas de um velho que partiu à meia-noite, cujo nome era 2012. Chegada com outra feição, envolta em esperança e renovação, logo foi batizada com o singelo apelido de 2013.
Como afirmado, eram muitas as expectativas pelo seu nascimento. Ora, há poucos dias haviam proclamado sua morte antes mesmo de vir ao mundo. Dataram em 21 de dezembro o marco do seu desaparecimento prematuro, ainda no ventre.
Conseguindo ultrapassar a fatídica data e surgindo assim tão radiante, talvez seja por isso que foram tantas as comemorações pela sua chegada. Fogos ribombaram pelo ar, guirlandas coloridas dançaram nos céus, gritos eufóricos, beijos e abraços deram-lhe as boas-vindas.
Em alguns lugares as grandiosas comemorações, a mesa farta, a bebida em abundância. E um povo distante de si mesmo e do próximo. Já em outros ambientes, com quase luxo nenhum, apenas a mesa de sempre brindada com sidra. E ainda noutros apenas a alegria da permanência e da chegada do menino, que logo chamaram esperança.
E já que veio assim, num nascimento tão entusiasticamente desejado e festejado, que se faça plena luz daqui em diante. Mesmo criança ainda, sem noção do que encontrará pela frente, ainda assim surge como espelho de onde se espera refletida a luz que o mundo tanta necessita.
Luz que refletirá não só pelo mundo, mas também, e principalmente, nas pessoas que nele habitam e nos seres viventes que nele fazem moradia. E que esta luz tenha o dom de alcançar a natureza, o meio ambiente, o chão e a casa dos homens e dos animais, todas as nascentes e todos os seus leitos.
Esse menino que nasce não há de padecer pelos vícios e pecados já existentes. Não há de mais tarde chorar ao ver que sua morada está tomada pelas imundícies que o homem joga esgoto adiante, pela fumaça tóxica que se espalha pelo ar, pela degradação da vida e do meio de sobrevivência de todos.
Triste do menino ao saber que o homem envelhece sem cumprir quase nada do que prometeu; ao conhecer que os males existentes são fruto do próprio homem; ao ter a certeza que por trás daquele que se mostra inofensivo, bondoso e cordial, tantas vezes existe um mentiroso, falso, violento, arrogante, injusto, bestial.
Será próprio de criança o choro diante de qualquer espanto. Contudo, ninguém ainda sabe como reagirá diante de realidades mais contundentes, vergonhosas, estarrecedoras. Coitada da criança ao olhar ao redor e sentir que as pessoas são totalmente diferentes daquelas que tanto brindaram, se cumprimentaram e se abraçaram na sua chegada.
Certamente terá vontade de voltar ao ventre ao sentir que quase nenhuma valia possui as promessas feitas, os compromissos assumidos, os juramentos proclamados com tanta veracidade. E que tristeza ao constatar que o descomprometimento é o maior compromisso existente no ser humano.
E a criança inevitavelmente saberá que o berço onde suavemente balança logo se transformará numa verdadeira selva, onde pessoas famintas de outras pessoas jogam no leito vermelho o que tanto se proclamou como solidariedade. O homem sendo lobo do homem, irmão se erguendo contra irmão, o lar de portas abertas.
Mas nem só na selvageria crescerá o menino. Situações encontrará mostrando o quanto vale a pena viver, ainda que no desumano mundo. Sozinho, com a força encontrada a cada novo dia, o menino logo se transformará em homem feito, adulto, consciente, enxergando oportunidades em tudo, vendo a flor escondida no jardim devastado.
E sabendo que mesmo a crueldade humana não consegue destruir de vez as belezas da vida, seguirá ensinando a cada um como tirar o melhor proveito da realidade ao redor, preservando o existente e semeando novas conquistas.
Talvez não consiga, mas quando dezembro chegar e já estiver envelhecido, simplesmente repousará para o sonho de que a próxima criança encontre um mundo melhor.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Ana Bailune disse...

Bela crônica! Que essa criança cresça feliz e saudável dentro de todos nós.