Rangel Alves da Costa*
O que fizeste Sultão, de minha alegre menina? Quero saber, preciso saber. Mais que qualquer outro, tenho de saber. Mas antes que me diga, e com a adaga prateada dos que defendem a honra lhe aflija a desfeita, chorarei o lenço perfumado deixado por minha alegre menina.
Segundo Jorge Amado e Dori Caymmi, o soberano simplesmente transformou a inocência de minha flor em mais uma de suas tantas mulheres, suas inúmeras amantes. Prometendo ser a senhora do palácio, a princesa da corte, ao seu harém certamente foi enviada.
Talvez tenha sido isso mesmo, pois o termo Sultão serve para designar não só um título como uma característica. Assim, o termo pode ser utilizado para designar o soberano em alguns países muçulmanos, senhor poderoso, príncipe absoluto, como para caracterizar o homem que tem muitas amantes.
Pobre, frágil, fraqueza da alma, pureza de espírito que se deixou levar pelas honrarias oferecidas, os presentes suntuosos jamais sonhados. A inocência foi corrompida pelo ouro, diamantes, pedrarias sem fim. E de repente se imaginou num palácio, se viu mimada e mantida pelo brilho da nobreza.
Por que fizeste assim, minha princesa agrestina? Nunca lhe prometi qualquer joia além de um diadema de concha, nunca lhe ofereci brilhantes além dos raios do sol, nunca afirmei que daria uma valsa com vinho antigo. Apenas um buquê de flores do campo e uma porção de araçás da estação.
Foste iludida, minha menina. As palavras graciosas, as promessas tantas e tudo aquilo que seu maravilhamento não permitiu negar, separaram nossas vidas e nossos planos. Talvez fosse realmente muito difícil escolher entre uma casinha branca e um palácio dourado. E o Sultão roubou-lhe a mão. E levou no seu passo o sopro do meu coração.
Ao menos é isso que se depreende nas entrelinhas da canção composta por Dori Caymmi e Jorge Amado, que servia de tema original da novela Gabriela (1975) e cantarolada brilhantemente por Djavan. Eis o que diz “Alegre Menina”:
"O que fizeste sultão, de minha alegre menina?
Palácio real lhe dei, um trono de pedraria
Sapato bordado a ouro, esmeraldas e rubis
Ametista para os dedos, vestidos de diamantes
Escravas para servi-la, um lugar no meu dossel
E a chamei de rainha, e a chamei de rainha
O que fizeste sultão, de minha alegre menina?
Só desejava campina, colher as flores do mato
Só desejava um espelho de vidro pra se mirar
Só desejava do sol calor para bem viver
Só desejava o luar de prata pra repousar
Só desejava o amor dos homens pra bem amar
Só desejava o amor dos homens pra bem amar
No baile real levei a tua alegre menina
Vestida de realeza, com princesas conversou
Com doutores praticou, dançou a dança faceira
Bebeu o vinho mais caro, mordeu fruta estrangeira
Entrou nos braços do rei, rainha mais verdadeira
Entrou nos braços do rei, rainha mais verdadeira.”
Música de Gabriela, mas também de minha menina, minha alegre menina. Ouço a música e é com se a avistasse de pés no chão, flor no cabelo, vento esvoaçando a barra da saia de renda e deixando à mostra as coxas graciosas. Um dia aí sonhei fazer moradia.
Darei ao Sultão outro nome, outra designação. Doravante será apenas Destino. E o que fizeste Sultão, de minha alegre menina?
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário