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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

SEGREDOS DE VENTO (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Nunca mais vento soprou aquela aragem palavra, nunca mais veio no entardecer trazendo o bilhete esperado. Nunca mais vento soprou notícias de um amor.
Após a tarde, ao entardecer, quando a paisagem se enche de matizes sentimentais, e o horizonte parece mais distante, mais triste e melancólico, é chegado o momento de a janela ser entreaberta para a chegada do vento.
Em cima da montanha também; do mesmo modo no alto da pedra grande, nas alturas dos campos relvados, nas margens dos rios e nos cais de partida e chegada. Em todos esses lugares os segredos de vento podem ser esperados ao entardecer.
Entardecer que pode se prolongar, se demorar um pouco para chegar nos braços do sombreado, dos portais da noite que se aproxima. A escuridão, contudo, não dificulta o conhecimento dos segredos que o vento traz. Os segredos apenas transmudam-se em mistérios.
De qualquer modo ele vem. Ele vem porque o vento nunca deixa de chegar. A atmosfera pode parecer entorpecida, sem movimento, ou apenas com leve brisa passando sem pressa. Mas ao longe, lá pelas distâncias das estradas, subindo serras e espalhando folhagens, o vento vem trazendo bilhetes. E segredos nas suas palavras.
Mas nem só em escritos chegam os segredos do vento. Aos olhos que se firmam ao longe, ao coração que pulsa em ansiedade, ao pensamento que vai buscando qualquer resposta, por outros meios e formas chegam os segredos de vento. Como afirmado, em mistérios também se transformam os segredos.
Pessoas existem que sabem esperar o vento chegar. Estão tão acostumadas, tornaram-se tão amigas desse momento mágico, que as janelas se abrem sozinhas, as cortinas se alongam, os silêncios tomam para si toda voz. E sem precisar de relógio ou nada que avise do momento chegando, eis que de repente já estão à janela com olhares voltados para os seus caminhos.
Outros são apenas levados pelas circunstâncias ao encontro do vento. Estes se predispõem ao encontro segundo o estado da alma, a inclinação do espírito, a feição sentimental. Tantas vezes levantam da solidão, da angústia, da tristeza, do sofrimento, da dor, e imperceptivelmente já estão se encaminhando para os locais da chegada da aragem com seus segredos.
Acontece assim porque todos precisam dos segredos do vento, todos precisam saber o que o sopro daquele entardecer ou anoitecer misteriosamente traz para a alegria do coração, o conforto espiritual, o renascimento das esperanças. Mas também para receber as notícias tristes, angustiantes, desalentadoras. Porque o vento traz segredos assim, de brisa e de vendaval.
E de longa viagem, trazendo no rastro o alforje da vida, o caçuá de tantos mistérios, o embornal de tantas palavras, ele se anuncia num sopro tão conhecido. Os olhos, os ouvidos, os corações, todas as sensações e sentidos humanos conhecem esse apito de trem de chegada. É ele, sim.
É o sopro, o zunido, o murmúrio já se aproximando de tantos que ansiosamente esperam. A dança das folhas, a festa nos varais, os grãos de tempo espalhados na atmosfera da existência. E de repente aquele hálito perfumado de jardins distantes e flores desconhecidas. É o vento e o seu passo.
Passa pela janela e conta o primeiro segredo. E diz que a mesma solidão refletida naquele olhar está sendo amarguradamente vivida por alguém noutro lugar. Chega à segunda janela e sopra mais forte para enxugar a lágrima. Vai entrando na terceira janela e murmureja que a vida é isso mesmo, um buquê de esperanças e realizações. Ao passar pelo cume da montanha deixa um bilhete nas mãos de alguém.
Aqui, ao redor e em tudo, a grandiosa presença de Deus. Nada disso é segredo, mas precisa sempre ser revelado.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com    

Um comentário:

Ana Bailune disse...

Belíssima crônica! O vento traz os segredos que precisa trazer. E de nada nos adianta fecharmos as janelas, pois ele entra pelas gretas e nos conta o que tem que contar.