Rangel Alves da Costa*
Estou tão desolado, entristecido, que caminharia mil léguas pelos campos sem flores.
Nunca caminhei por campos floridos, mas imagino bem como possa ser a paisagem envolvendo os caminhos da felicidade.
Abri a janela sem avistar o sol. As nuvens encobrem os ares, deixam sombria a manhã. E nem ouvi o canto do passarinho.
A borboleta esvoaça ao redor. Não uma, mas várias, e de diversas formas e tamanhos. Mas não consigo enxergar cores em nenhuma delas, apenas réstias dos insetos alados.
Sonhei que eu era feliz, sonhei com a felicidade. E ela era toda feita de bolha de sabão, de orvalho, de brisa. E não sei por que o sonho não persistiu até o amanhecer.
Minha mãe me deu um retrato, minha mãe me deu um livro de estórias de reis e dragões, minha mãe me deu uma agenda azul. Pena que eu não encontre mais. Nunca mais encontrei nada do que minha mãe um dia me deu.
Meu cavalo de pau sumiu pelo ar, partiu sem me avisar; o carrinho de lata de óleo ficou todo amassado; minha lua foi embora, meu sol se escondeu mais cedo. Infância que tive e tudo perdi.
Minha namorada era tão bela, minha namorada era aquela que parecia jardim com flor. Um dia dei um beijo na face, ofereci maçã do amor e o verso mais belo que pude escrever. Mas ela só me deu adeus.
Um dia, assim entristecido, quis caminhar por aí para encontrar um campo florido, uma paisagem com flores. Antes da partida me chamou a vida e tudo ficou pra depois.
Pensei que lendo Salinger encontraria o mapa para o meu caminho com flores. Mas O Apanhador no Campo de Centeio só me fez ir até a janela. E depois chorar.
Também quis fugir para Macondo, viver por lá todos os meus anos de solidão. Talvez encontrasse uma Milagres, encontrasse um amor, mas a selva era tão densa naquele lugar que preferi ficar no meu quarto, mirando a janela entreaberta.
Risquei dois versos na parede do quarto. O primeiro dizia sobre um amor encontrado; enquanto o segundo versejava sobre o amor terminado. E até hoje é o verdadeiro livro de minha vida, sobre o amor começado e terminado.
Conheço mais adiante da janela que a mim mesmo. Não sei o que sinto o quanto sei que a pedra sente; não sei tanto o que desejo como sei o que a planta murcha deseja; não sei o que pretendo ter o quanto sei o que o canteiro tem.
Gosto de ouvir a música do entardecer. O vento que sopra traz uma canção antiga, a brisa que chega sopra uma valsa vienense. Meus olhos dançam de tanta saudade que ficam suados, molhados.
Um dia pulei a janela, abri o portão do jardim e corri mundo afora. Antes da primeira curva e já conheci tudo da estrada. Labirintos, espinhos, pontas de pedras, e apenas uma flor esquecida num canto. Já murcha.
Como a estrada é tão longa e tão perigosa, resolvi adiar a viagem. E meus dias foram passando conhecendo o mundo ao redor, além da janela. De tudo que conheci só me fiz amigo daquilo que ainda não fala comigo, mas diz tudo.
Um dia ouvirei a voz da manhã, do entardecer, da sombra da noite, da lua e de cada estrela. Enquanto esse momento não vem dialogo com a pedra. E conversar com pedra é bom porque a gente se ressente da mesma solidão.
Mas neste momento gostaria mesmo de caminhar mil léguas, todas as distâncias do mundo, ainda que por campos sem flores. Mas estou triste demais para partir, para seguir adiante.
Um dia, quem sabe, eu caminhe pela estrada que tanto quero e vá espalhando as sementes que comigo levarei. E quando os outros seguirem pela mesmo caminho já encontrarão os campos floridos.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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