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sábado, 19 de janeiro de 2013

PEQUENOS ABSURDOS COTIDIANOS (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Mesmo despretensiosamente, num instante e a pessoa já estará incorrendo em pequenos erros, deslizes, absurdos cotidianos. São práticas, ações e atitudes, que se refletidas talvez não fossem levadas a efeito, e motivos de arrependimentos se efetivamente repensadas.
São situações descabidas, fora da lógica normal da existência, inadequadas para serem praticadas por pessoas que pretendem que as outras as vejam dentro de bons patamares conceituais. Contudo, que não se tenha como espanto, verdadeiros absurdos quando praticadas por sujeitos que vivem criticando o próximo precisamente em razão das mesmas ações.
Exigir o falar correto do matuto, zombar ou repreender porque se expressa dentro de suas limitações, soa como verdadeiro absurdo. E muitas vezes perpetrado pelo forasteiro ignorante no próprio berço de tanta sabedoria, como acontece nas povoações mais distantes, de uma gente humilde e riquíssima nas tantas lições da vida.
Nada contra as exigências da mesa, as etiquetas comportamentais e as frescuras envolvendo desde o pedir ao modo de se servir. Tem gente que está com a fome maior do mundo, mas, para não ser visto como ignorante ou incivilizado, pede iguaria requintada demais, para ser servido em fino prato e este guarnecido por quase nada.
Ora, que não venham com essa que um tiquinho, no centro do prato, de comida de nome estrambótico, mate a fome de alguém. Apenas algo desenformado de carretel, tendo por cima um fiapinho verde, rodeado por um caldo qualquer, e o preço de arrepiar. E tem gente – certamente mais afrescalhada que a comida – que ainda deixa parte do nada no prato. E porque é feio deixar o fundo vazio. O ostentação esfomeada.
A grã-finagem nem imagina como é bom comer feijão de corda com carne de bode fazendo bolinhos com a mão. Tendo um molhinho de pimenta ao lado, basta triscar ali e saborear sem pensar em etiqueta, em frescura nenhuma. Do mesmo modo, deliciosa é a comida levada à boca com colher, comida no prato de estanho, cozida na panela de barro, e em quantidade que faria enlouquecer o chef afrancesado.
Por outro lado, outras situações existem que são realmente injustificáveis. Permitir que as calçadas continuem esburacadas, impedindo a mínima locomoção, causando transtornos e acidentes nas pessoas, passa a soar até como crime. Sob a desculpa de que a calçada pertence à casa e por isso sua conservação e manutenção são responsabilidades do proprietário, é a administração municipal querer se eximir de algo onde necessariamente deveria intervir.
Nem precisa falar no desrespeito aos idosos, animais e ao próprio meio. Contudo, é inadmissível que pessoas ditas civilizadas depredem construções, pichem paredes ainda cheirando a tinta, destruam bancos de praças, quebrem lixeiras, danifiquem grades de proteção, façam exatamente o que não deveriam fazer. Não se pode esquecer o vizinho que coloca o lixo exatamente na outra porta, joga bolinho envenenado para o cãozinho do vizinho do outro lado do muro.
No ambiente doméstico, certos costumes podem ser reputados como verdadeiros coisas abomináveis, senão como falta de higiene ou imundície mesmo. Passo sede e fome, mas não bebo em copo que parece ter sido lavado com óleo ou que esteja todo respingado de sujeira, e também não me sirvo em prato na mesma condição. Claro está que uma casa que serve assim não é muito amiga da limpeza e da higiene. E basta olhar com atenção que a dona da casa limpa a boca com o pano de limpar pratos.
Por todo lugar pessoas que olham para outras querendo fulminar, agredir, como se todos fossem inimigos potenciais. Pelas ruas, nos caminhos cotidianos, as agressões silenciosas, as violências e as arrogâncias. Braços ou ombros se tocam ao acaso e uma verdadeira guerra estará em vias de começar. No trânsito nem se fala, pois imperam as violências verbais, sonoras e as agressões físicas. Não há nada mais desnecessariamente terrível que uma briga por causa de um leve abalroamento no trânsito.
Cito apenas uma parte das tantas contradições cotidianas existentes. Daria para falar da cegueira do povo na hora do voto, de sua falta de senso crítico diante daquilo que lhe açoita, fura o pé, pinica a pele. Mas deixe pra lá. Ademais, como sempre sai da boca de quem ajoelhado se submete à humilhação, um sujo não pode falar do mal lavado.
Com razão, pois o maior desejo do submisso é ver o outro submetido também. Ademais, como afirmou Adlai Stevenson: O que parece o auge do absurdo numa geração, muitas vezes torna-se o auge da sensatez na geração seguinte.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com   

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