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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 29 de janeiro de 2013

LINHAS TÊNUES, SUTIS, DELICADAS (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Muito da vida está por cima de linhas e fios finos, tênues, sutis, delicados. E perigosamente se veem soprados pelos ventos sorrateiros do acaso. Quase invisíveis, quase irreconhecíveis, mas por onde o ser humano tem de caminhar.
Tudo como um pêndulo, como pluma oscilante, como folha morta ao sabor da aragem. Querer ficar e querer partir, saber que ainda está, mas que já não vai existir. Quase tudo. Quase ser e não ser, quase permanência e logo ausência. A dúvida: até quando?
Por cima da lâmina, na estrada do fio mais fino, toda a vida espera a sorte. Ali tem que correr, se mexer, pular, revirar, mas sem ao menos imaginar dar um passo em falso, perder o equilíbrio, tombar. Um passo fora do fino fio e tudo desaba. Não há retorno nem chance. É a estrada na lâmina pela vida inteira.
O pé, o passo, o olhar, seguem o fio sem olhar atrás, ao redor ou para qualquer outro lugar. Nada pode dar errado nessa caminhada. O vento é ameaça, qualquer sopro coloca em risco, a ventania seria prenúncio de destruição. Em cima o horizonte, debaixo o abismo, toda a distância lado a lado.
Mas não há tempo para parar, pensar, imaginar. Sempre para frente, cuidadosamente adiante, pois a linha tênue demais não pode esperar o descanso, a atenção maior, outros cuidados. E eis que de repente, naquela finura toda, onde somente um passo pode atravessar, do outro lado pode surgir algo naquela direção.
Não é difícil que surja. Mas fazer o que, então? Não há nada a fazer senão seguir adiante, fazer de conta que nada avistou, que aquela é sua estrada e é por ela que tem de andar, seguir sempre em frente. Não pode temer, não pode fugir do confronto, pois se o outro tudo fará para que saia da frente, então será preciso mostrar de quem é aquele destino.
Sempre surgirá algo assim, visões de outros que se aproximam, vão chegando para impedir a caminhada. Contudo, ao seguir em frente muitas vezes verá que o avistado não passa de uma ilusão para testar a fragilidade, para ver se tem medo, recua, cai, desfalece. Por isso mesmo que não deve temer o perigo.
Os tuaregues não se iludem mais com miragens, pois sabem que os oásis são visões traiçoeiras que apressam o cansaço, que levam à desesperança; os homens do deserto não olham para trás, vez que conhecem a nuvem de areia que quer lhe cegar, maltratar, destruir. Nos desamparos e desolações aprenderam a conviver e a andar por cima da lâmina quente do seu mundo.
Com o homem de outras paragens não há muita diferença. O problema é que o nômade aprendeu a caminhar sobre brasas, a pisar no fio cortante sem ferir o pé. Falta ao homem do asfalto, da estrada e do chão esse destemor. Conhecendo os desafios surgidos a cada instante, e se mantendo firmes acima do fio tênue do perigo, certamente conseguirá ultrapassar o abismo sem se ferir. Ao menos tanto.
Por isso mesmo é preciso muito cuidado a cada passo, a cada compasso. É preciso ir além do chão para conhecer a distância se algum dia cair. É necessário espetar o dedo na ponta da agulha, ter a pele levemente cortada pelo fio da navalha, sentir na pele a ranhura da finura da linha, do fio.
Será preciso conhecer para não temer num momento de precisão. Saber que a ponta da agulha causa tormento e dor, que a lâmina corta dolorosamente e faz sangrar, que o fio tênue grita como lâmina por onde passa. Mas também terá mais proteção se souber domar todos estes perigos, subir na ponta da agulha, caminhar pelo fio da navalha, se equilibrar em cima da tênue linha.
Somente assim talvez um dia aprenda porque o equilibrista até cantarola lá em cima. Caiu mil vezes, levantou em igual número. E lá em cima se sente mais seguro do que as armadilhas do chão.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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