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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

ZABÉ, MUIÉ IMPOSSIVE (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Em toda minha vida – e olhe que já tenho mais de duzentos anos -, nunca vi uma mulher de biografia igual a Zabé. Ouvi tudo a seu respeito, fiquei de cabelo em pé, mas também confesso que me encantei quando soube a verdade da história.
Isabel, doravante Zabé, como era conhecida, cantada e decantada por todos, foi, digamos, vítima de uma séria de mal-entendidos, de fofocas, conversas demasiadamente destrutivas da honra e do caráter. Poucos levantaram a voz em sua defesa. Mas também não podia ser diferente, pois ninguém sabia ao certo quem era Zabé nem como ela vivia.
Segundo seus conterrâneos, falando na língua do povo de então, “Muié dizimpossive nasceu aí. Nunca se viu nada iguá. Numa só coisa qui se diz gente se ajuntou cobra e frô. Fofoquera de marca maió, intrigona qui só ela merma, valente qui só cangacero, mai tumem pessoa seuvidora, muié ajudadora dos mai percisado...”.
Já outro ajuntava que “Nasceu trocada a bicha. Divia nascê homi e nasceu muié, mai muito mai homi do que munto qui se diz caba macho. Num qui Zabé seje muié macho não, mai pruquê pode cum saco cheio de peda na cabeça, lasca tora de ferro no murro, toma pinga de virá garrafa, já deu tapa em treis caba safado que dissero que era fea. E tudo duma veiz só...”.
Por todo lugar e região não se falava noutra coisa. “Zabé botô o cavalo cansado no lombo e mermo ansim correu atrais do garrote brabo. Quano o bicho se virô, ela já tava pru riba. E foi perciso o valente chorá pá ela deixá levantá”. “No meio da noite, tarvez meia apaixonada, a danada da Zabé inventô de descê a lua. Num se sabe cuma, mai bastô a dizimpossive fazê um aceno que o quilarião veio se derramano pertinho dela”.  
“Conta que certa feita Zabé achô de namorá. Escoieu o caba e mandô avisá que dali em diante era seu namorado. E qui logo mai quiria qui ele fosse encrontá cum ela lá pru detrais do tanquim. Coitado do caba. Tava inxuto e se mijou todim quano recebeu o recado, quis fugí, quis inté tirá a porpia vida, mai todo mundo dixe qui num tinha jeito, pru modo qui podia morrê qui ela ia atrais. E acunteceu mai pió. O coitado tava noivo e desinoivô, tava de casamento marcado e desmarcô. E adispoi de munto choro da famia, de despedida dos amigo e do desmaio de sua véia mãe, foi-se ao encronto da dita. Ansim qui chegô no lugá marcado, coisa de fim de tarde ainda luzenta, avistô arguem pru detrais duma moita. Cum as perna bambando, sintindo frio e suó, iscuitou um assuviu e uma voiz dizeno ‘sô eu, bebé, seu amô’. Bebé, só podia sê Zabé, pensô o caba. E era mermo, a dita, a impossive da muié. E foi aí qui o caba quasi bate as bota. Pru mode ansim qui ela saiu da moita e se mostrô pur intêra, o caba se viu de pé na cova. Lhe deu um formigamento, um tremilicão tão da desgracêra qui quasi num se segura de pé. E tudo pruquê o qui viu num pôde aquerditá. Zabé tava tom bonita, mai tom bonita dum jeito que mai paricia uma frô. Rôpa apretada no corpo que mai paricia uma serêa, cabelo tom pintiado que mai paricia ispiga de mio, de rosto tom pintado qui mai paricia um auco-iro. E dixe qui o peufume entrava pela venta do caba qui ele ficava im tempo de endoidá. E foi quano ela balançô o dedo chamano ele pá junto. Mai cum coisa de treis parmo inté chegá perto dela, a dita acenô qui parasse. É agora que a coisa vai fedê pruquê mandô qui parasse e tirasse a rôpa, e a rôpa todinha, carça, camisa, chinelo, cueca, tudo. E sem tê saída o caba foi ficano nuzinho da silva, mai quano abaixô a cueca o pió acunteceu. De tom escondidim qui tava o negoço, de tom pitititim qui tava o pingulim, qui ela lascô uma tapa na cara do caba e deu as costa. Mai ante de saí dixe a ele qui no meio das perna tinha um maió qui aquele...”.
Até hoje o povo do lugar debate acirradamente acerca do que Zabé quis realmente dizer nessa última frase. Segundo uns, que estava comprovado que nem mulher ela era; já para outros que era mulher até demais, e com o negócio grande, como quis demonstrar. Mas alguns achavam tudo isso conversa sem pé nem cabeça, coisa de quem não tinha o que fazer e levava a vida falando de quem nem conheciam direito. E, realmente, poucos tiveram a honra e prazer de se avistar com Zabé, a Isabel verdadeira.
Sempre acontece assim. Quem prefere levar uma vida no recolhimento, na solidão, saindo de sua casa apenas para regar os roseirais ao alvorecer e chorar mirando a lua de seu quintal, logo é tida como louca ou como tudo que puderam maldosamente inventar. Más línguas, terríveis e pecaminosas imaginações.
Mas Zabé não era nada disso. Era apenas uma mulher e sua solidão. Morreu velha, ainda solteirona, recolhida no seu aposento de todo dia, enquanto penteava e conversava com sua boneca de pano.

  
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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