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sábado, 12 de janeiro de 2013

DE SOLIDÃO EM SOLIDÃO (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Como adiante será demonstrado, a solidão é terreno fértil, é campo aberto, é nuvem de voo, a condição ideal para o encontro com significados da existência. Ao invés de ser vista e temida como um transtorno, algo sempre indesejável, pode ser usufruída com encantamento da alma.
Diferentemente do que possam imaginar, solidão também se constrói, se conquista, se alicerça. Pode ser encontrada e adotada, pode ser pensada e adquirida, pode ser desejada e semeada. Um pé de solidão tem flor, uma árvore de solidão tem sombreado e até saboroso fruto. A filosofia nasceu na solidão, a Sabedoria também, e solitariamente continua existindo.
Uma solidão repentinamente surgida pode ser fruída de tal modo que será convidada a voltar. E assim porque nunca se mostra a monstruosidade tão apregoada, não deixa marcas dolorosas no ser, não provoca nenhum transtorno ao visitado. Pelo contrário, sente-se como se surgisse ao seu redor e dentro de si a força de uma grande e silenciosa amiga.
Assim, bastou essa primeira solidão para outras serem tão aspiradas. E por serem esperadas não provocarão os sintomas temidos por muitos. Aliás, nunca há que temê-la, nunca há de vivenciá-la como indisposição para a existência e determinação apenas para distanciamento dos outros, recolhimento ao casulo da inércia espiritual.
Por ser construtiva, meio de reflexão e de reencontro espiritual, a solidão vai se tornando costumeira e muitas vezes até autossugestionada como forma de dimensionamento da pessoa perante o seu mundo. E nesse passo, de solidão em solidão, vão surgindo as lições, os aprendizados e as ideias que somente o silêncio da alma permite.   
Desse modo, de solidão em solidão se verá que este tipo de isolamento ou distanciamento não é um estado espiritual e psicológico tão desprezível assim. Há, em todo caso, o encontro do solitário consigo mesmo; a compreensão do imenso vazio que precisa ser preenchido; a reflexão tão necessária ao reencontro.
De solidão em solidão se verá a grande lição da sabedoria popular dizendo ser melhor andar sozinho do que mal acompanhado. E não só andar sozinho, mas também estar sozinho, caminhar sozinho, poder seguir destino e caminho sem indevidas e abusivas interferências. Prefere a solidão ou a má companhia?
De solidão em solidão se aprende que os conceitos que lhe são próprios são também formas poéticas de situar-se na vida. Assim, isolamento é optar por ser momentaneamente ilha; solitude é buscar a voz interior para o diálogo há muito desejado; distância é a fronteira entre o mundo lá fora e o mundo ao redor. E nos olhos do solitário há uma infinita estrada.
De solidão em solidão se defronta, sem necessariamente mergulhar sem retorno, com sentimentos que os outros do meio da rua, do meio do mundo, não têm tempo de encontrar. Daí acariciar a recordação, abraçar a lembrança, beijar a imaginação, afagar o pensamento.
De solidão em solidão o caderno de poesia vai transbordando de amor, o diário vai ganhando revelações e segredos que jamais imaginou, a tela vai se enchendo de paisagem tão bela quanto o próprio artista. O livro nasce na solidão, a trama e os personagens são frutos da solidão. E tantas vezes a solidão é a própria história.
De solidão em solidão se aprende a distinção entre voz e silêncio, entre barulho e murmúrio, entre um chamado e um silencioso aceno. É no seu momento maior, naquele instante em onde a pessoa é mais solidão do que a si mesma, que surge no ser a certeza de nada poder ser mais forte que a força mental e espiritual. Que as dores do mundo gritem lá fora!
De solidão em solidão é que se aprende as linhas de sua bula. Solidão é chamado à vida, não à morte. Do oitavo andar caminha-se pela nuvem, jamais o salto para estilhaçar a fraqueza humana, pois após fechar a janela o verdadeiro solitário vai abrir a porta. Da vida.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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