Rangel Alves da Costa*
A vida acaba se tornando uma cachaça boa que
a gente sempre deseja mais um gole. Em cada trago mais um ano vivido, até
chegar ao porre total da velhice. E uma velhice que ainda viva a alegria de ter
experimentado cada gole da vida.
Que bom que a vida fosse uma festa sem
saideira, uma bebedeira total, de alegria sempre mais contagiante, mas sem
perder a noção das coisas, sem esquecer as piruetas do contentamento e sem
desejar a morte no dia seguinte. Apenas um porre de felicidade.
Já faz uns cinco anos que não bebo nem vinho,
mas hoje até que poderia entornar um copo cheio de 51, talvez uma garrafa
inteira. Eis que o 51 no subtítulo da cachaça é também a numeração no rótulo de
minha idade a partir de hoje.
51 significa 15 invertido. Mais que três
vezes 15. Quer dizer, desde muito que a doce idade dos 15 anos já ficou para
trás, e também os 30, os 45 anos. Significa ainda ter vivido mais que três
adolescências. Mas ainda sou menino traquina, danado, correndo descalço pelas ruas
antigas do meu sertão.
Mas a vida não se comemora com bebida, mas
com o suor da luta que é sempre doce depois da vitória; a idade não se comemora
apenas com aguardente, mas principalmente com o copo transbordante das boas
realizações.
E copo também cheio de lições, da sabedoria
tão necessária diante das espantosas transformações. Eis que somente a
sabedoria da idade para se enxergar além da normalidade avistada pela maioria e
compreender quanto sutis e quase invisíveis são as linhas entre o erro e o
acerto.
A dose tomada seria justa. Mas não beberei
qualquer dose. Para chegar ao conhecimento de agora, e por isso compreender que
é possível manter a mente sempre cheia sem ser de aguardente, já bebi
alambiques inteiros, já conheci o doce e o amargo em cada dose. Chega-me a
saudade, mas apenas dos bons momentos de proseados ao lado dos velhos amigos
sertanejos.
Mas hoje bebo mais, e começo com um copo cheio
de planos a cada manhã. Embriago-me apenas dessa vontade imensa de felicidade,
de paz, de construção de dias melhores na minha estrada. Embriago-me desse
reconhecimento que não preciso de qualquer dose para chegar ao estágio
maravilhoso da vida. E sem ilusões passageiras.
É de olhos bem abertos e consciência límpida
que a janela da vida deve ser aberta e apreciada. E nitidez não somente perante
a paisagem adiante, mas também sobre o passado. Ora, o ser humano é fruto de
seu percurso, do distante e do ontem, e não apenas do agora. Incongruência ou
não, somente a idade vai limpando os olhos para tais realidades.
Não direi que os 51 anos de idade já sejam
certeza de se estar apto a caminhar pela estrada da sabedoria. Como afirmado,
todo o percurso deve ser de construção de conhecimento, mas é inegável que
começam a impor no indivíduo maior responsabilidade com o seu destino e de
todos aqueles que estão ao seu redor.
Igual a cachaça de botequim sertanejo que vai
apurando na raiz de pau, também vou me aquilatando com as flores e os espinhos
encontrados pelo caminho. E hoje sei que ninguém chega ao merecido destino sem
sentir na sola dos pés a ponta afiada da pedra.
Hoje brindo aos passos já caminhados, à
estrada já percorrida, aos encontros que encontrei. Tanta dor e tanto
sofrimento, tanta angústia e desolação, mas também a certeza que sou agraciado
por Deus com as maiores dádivas da existência.
Citando a Bíblia, confesso que nem o Rei
Salomão, em toda sua glória, conseguiu conquistar o que conquistei. Não tenho
ouro, não tenho riqueza, não tenho poder. Porém, tenho muito mais: a vida e o
que realizo através dela.
Eis, assim, este menino de Nossa Senhora da
Conceição de Poço Redondo. Um homem feliz. E que assim também seja enquanto
houver passos pela estrada.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Caro Doutor Rangel: Para você as minhas FELICITAÇÕES por mais um ano depois deste MEIO SÉCULO de vida e de realizações. Realizações no DIREITO; Realizações como LITERATO; Enfim, realizações no decurso da vida. Com certeza, o ARQUITETO DO UNIVERSO dar-lhe-á o dobro destes dias para tantas outras realizações. Quem sabe se não lhe concederá os DIAS que concedeu a MATUSALÉM (969 ANOS)?
Muita paz e tranquilidade no desempenho das suas funções,
O amigo,
Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha - Bahia.
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