Rangel Alves da Costa*
Em 1960 eram poucas as vozes ecoando sobre a
situação do menor e alertando acerca da necessidade de proteção aos meninos e
meninas no percurso de sua infância. As leis então existentes, principalmente o
Código de Menores de 1927, pouco efeito surtia diante de um quadro que já se
mostrava preocupante.
Com passos lentos, as normas foram se
aperfeiçoando até culminar com a Constituição de 1988, que previu o Princípio
da Proteção Integral de Crianças e Adolescentes, em seu art. 227: É dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.
O objetivo maior é resguardar a vida saudável
e digna do menor, proibindo sua exploração. Como aperfeiçoamento das normas
constitucionais, em 1990 surgiu o Estatuto da Criança e do Adolescente,
definindo mecanismos de proteção integral aos menores e apontando seus direitos
fundamentais, além da tipificação de crimes que contra eles possam ser
cometidos, dentre outras diretrizes.
Antes do surgimento do ECA, as legislações
protetivas dos menores sempre tiveram mais intencionalidade do que
aplicabilidade. Tanto foi assim que os clamores sociais sempre provocaram mais
reações que as leis existentes. Para se ter uma ideia, por mais que a
legislação proibisse e combatesse o trabalho e a exploração infantil, era
preciso o grito indignado da sociedade para que as autoridades se dessem conta
das raízes nefastas já tomando conta daqueles caminhos tão indefesos.
Ainda num tempo onde o descaso perante a
formação do menor era visto com normalidade e a exploração do trabalho infantil
não era combatida com veemência, somente a imprensa e a sociedade para mostrar
a realidade dos fatos e exigir providências diante do grave problema social que
já se instalava. E a imprensa de Sergipe, já nos idos de 1960, dava sua contribuição
em defesa dessas mentalidades ainda em formação.
Neste sentido, a Gazeta de Sergipe (ano I, nº
III, domingo, 24 de janeiro de 1960), na sua edição dominical trazia o suplemento
“GS Tabloide”, cujo título estampava “Vamos cuidar dos menores”, e mais abaixo
dizia “Eles são o futuro, mas nós preparamos o seu futuro - Não têm preconceitos
raciais, não odeiam ninguém - São puros - Merecem tudo - São os monarcas do
mundo - Por que deixá-los ao léu?”.
Na página seguinte do tablóide, o texto
parecendo de escrita recente: “Poetas escrevem, inclusive das excelências e
beleza ‘dos anos que não voltam mais’. Há concursos de robustez infantil. Muita
gente viva pelos serviços que lhes presta. Falamos dos meninos, da infância. Os
meninos são os ditadores do mundo.
Alguns, por demais prosaicos, e brandindo
tratados científicos, chamam as crianças de ‘monstrinhos destruidores’, pois
não há brinquedo que não quebrem, móveis, enfeites, janelas e vidraças. Mais
alguns chamam a criança de o ‘futuro da pátria’ (esses pensam sempre em
guerras).
Mas não estamos aqui para isso. O nosso
interesse é despertar consciências para o problema do menor abandonado, para o
menor que já é delinqüente, para o menor que não tem futuro. Precisamos
resolver êsse problema para darmos um atestado de povo culto, porque a medida
de civilização de um povo é o cuidado com a sua infância e a juventude.
A nossa Cidade de Menores, funciona como se
fora um estabelecimento de instrução comum, com férias e tudo. Cuidam de lhes
ensinar as lides agrícolas, sem outra preocupação mais alta. Imagine-se que já
se faz festa de caridade para mantê-la como a ‘premier’ de ‘Irmãos Karamozov’. Vamos
ter cuidado com os nossos menores?”
Reproduzindo a linguagem da época, eis o
texto escrito por Gercinaldo, idealizador do suplemento dominical da Gazeta de
Sergipe, e que segundo o professor Vilder Santos era um sempre elegante
funcionário público federal. E a instituição aludida era a Cidade de Menores
Getúlio Vargas, inaugurada em 1942, em Nossa Senhora do Socorro, objetivando o
acolhimento de menores abandonados e delinquentes.
A Cidade de Menores, abrigando crianças e
jovens entre os doze e os dezoito anos, recebia os indivíduos enviados pela
assistência social ou pelo Juizado de Menores. Ali, diferentemente do que
ocorre com a atual unidade de atendimento ao menor, procurava-se, a partir do
trabalho e das vocações, o desenvolvimento das capacidades físicas e
psicológicas, tornando-os aptos ao convívio social.
Apenas um texto de um suplemento de 1960, mas
tão atual como a realidade estarrecedora que ainda envolve os menores,
principalmente os abandonados ainda no útero materno. Eis que o abandono da mãe
é certeza de desamparo ao filho.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Caro Dr. Rangel: Muita paz é o que lhe desejo.
Conforme já havia lhe falado, por questão de tempo não tenho estudado profundamente seus artigos e crônicas. Contudo, estão salvos no meu HD e os que mais interessam para meus trabalhos de pesquisas, estão sendo encadernados, assim como os textos de MENDES e do Dr. Archimedes.
Porém, o texto de hoje faz-me lembrar quando entre 1976 a 1985 - dez anos portanto, exerci a função de Comissário de Menores na Capital da Bahia, onde tive a oportunidade de visitar todas Unidades de acolhimento de menores tanto na capital como nas cidades do interior baiano, juntamente com o Excelentíssimo Doutor Juiz de Menores (hoje de saudosa memória) EDMUNDO BENEVIDES DE AZEVEDO, logo que eu era uma espécie de Assessor do mesmo na área de palestras nas escolas de Salvador.
Trinta e oito anos são passados do meu ingresso naquela Instituição, e vinte e oito que dali me afastei, e só vejo a cada dia a situação se agravando em termos de delinquência neste vasto e querido Brasil. Não sei como anda a assistência menoril em nossa Bahia e nos demais Estados Brasileiros em termos de boas Escolas de Menores para a reeducação das crianças menos favorecidas pela "sorte", evitando assim a multiplicação da criminalidade entre os adultos. MAS, EU GOSTARIA DE MORAR NA FINLÂNDIA, NORUEGA, SUÉCIA, DINAMARCA ou SUÍÇA, onde em um desses países, estão fechando e até vendendo as casas de presídio por falta de prisioneiros. SERÁ QUE EM NOSSO PAÍS ESTÁ SOBRANDO PRESÍDIOS MEU CARO RANGEL?
Abraços,
Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha -Bahia
Postar um comentário