Rangel Alves da Costa*
Amigo de muito tempo, desde a infância ao
passar dos anos, acostumado a visitá-lo ao menos uma vez no mês, dessa feita
foi surpreendido com algo totalmente inesperado. Nunca lhe passou pela cabeça
que algo assim algum pudesse acontecer. E por isso até imaginou estar com algum
problema mental. Indagou-se se estava doido. Mas depois achou por bem acreditar
que quem estava doido era o outro, o amigo.
Eis que chamou no portão e foi prontamente
atendido pelo amigo. Mas logo pressentiu algo diferente. Não havia nenhum
sorriso, nenhuma feição de alegria, nenhum cumprimento, absolutamente nada
daquilo que costumeiramente encontrava. Apenas uma pessoa com sua frieza, como
um estranho que abre a porta e vem ao portão atender a um desconhecido. Mas o
que está acontecendo? Foi o que intimamente se perguntou.
Resolveu relevar a falta de acolhida e em seguida,
mostrando-se sorridente, perguntou como estava o velho e bom amigo. Este
simplesmente respondeu: Por acaso o senhor me conhece? Talvez o senhor esteja
procurando outra casa e outra pessoa. E tenho certeza que esta pessoa não é eu,
pois não recordo de jamais tê-lo visto. Desculpe, mas bateu no portão errado.
Espanto absoluto no visitante. Sentiu-se como
se estivesse sendo esbofeteado e ao menos tempo jogado nas profundezas de um
rio gelado. Mas não se deu por vencido e insistiu: Sempre brincalhão, hein
amigo? Em qualquer lugar do mundo que o avistasse ao longe logo reconheceria o
velho companheiro de sonhos e de lutas, o sempre inteligente Josué. Só falta
agora dizer que não está reconhecendo o amigo Paulo, o poeta nas noites de
insônia...
E o outro respondeu, aumentando ainda mais a
incompreensão daquela realidade: Sim, sou Josué e conheço alguém com nome Paulo
e que é poeta. Por sinal escreve muito bem quando está bêbado. Essa coisa de
insônia é desculpa de quem vira a noite pensando que a garrafa de vodka é a
lua. Sim, sou Josué e se você for mesmo Paulo, o poeta, diga a Paulo amigo de
Josué que ele não está...
Agora embananou tudo, disse o visitante a si
mesmo. Mas não desistiu e prosseguiu: Desculpe Josué, mas não estou entendendo.
Você se reconhece como Josué, diz que é Josué, mas depois afirma que você mesmo
não está. Afinal, que é este que está à minha frente se não for você mesmo, Josué?
Agora mais calmo, com feição serena e
tranquila, o dono da casa respondeu: Está certo. Reconheço seu argumento e sei
que você é mesmo Paulo, amigo de Josué. Agora preciso que escute uma coisa. Eu
sou realmente Paulo, só que eu não estou aqui. Esse aqui que vos fala é alguém
que quem tem o meu corpo, o meu nome, a minha feição, tudo de mim, mas eu, eu
mesmo, não estou aqui. Está entendendo?
Não! E não porque não posso compreender uma
história sem pé nem cabeça, uma verdadeira maluquice. Ora, se você é Josué,
então é Josué e pronto. Retrucou o visitante, já ficando nervoso. E ouviu em
seguida:
Mas Paulo, não se assuste. Não está diante de
um fantasma nem de um extraterrestre. Está verdadeiramente diante de Josué. Só
quero que você entenda que este que está aqui é o Josué corporal, presencial ou
físico, pois o Josué espiritual, psicológico e mental não está aqui, está
ausente.
E o vistante prontamente perguntou: Então,
onde posso encontrar o Josué espiritual, psicológico e mental, como você diz?
Creio que eu me entenderia bem melhor com ele. Sabe onde ele está?
E o dono da casa respondeu: Ele está aqui
comigo, pois sou Josué, mas também está ausente. Ouça uma coisa, amigo Paulo: O
Josué que está ausente está aqui, e sou eu. Mas as pessoas precisam compreender
que os amigos também ficam tristes, angustiados, saudosos e carregados de
sofrimento. E por isso mesmo precisam se distanciar, ficar ausentes para
meditar e refletir acerca de sua condição humana. E por ser amigo, não deseja
que os amigos também tenham de suportar sua dor. Por isso estou aqui. Mas, por
favor, compreenda minha distância.
Plenamente agradecido pelas palavras, Paulo
se despediu desejando boa sorte. Retornando, meditou em cada passo e chegou à
seguinte conclusão: Também deixarei uma parte de mim ausente sempre que eu
tenha feridas íntimas para curar. Não transmitirei a ninguém minhas dores nem
desejarei que os amigos tenham de suportar meus sofrimentos, angústias,
desilusões...
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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