Rangel Alves da Costa*
Tarde sombria, com feição da mais escurecida
das noites. A família pranteando ao redor, uns ao lado da cama e outros e
cabisbaixos e chorosos pelos cantos. Um silêncio entrecortado por soluços, por
lágrimas que caíam dos olhos como rochedos desabando.
Ninguém abria a boca para uma só palavra. A
verdade estava ali, terrível, assustadora, porém incontestável, eis que a morte
esperava apenas o último suspiro para atingir seu triste apogeu. Não havia mais
o que fazer, o que implorar, o que remediar. Apenas a morte certa.
O corpo magro estendido na cama, as forças já
totalmente exauridas, os olhos semiabertos, o peito vagarosamente arfando, um
resto ou último suspiro na boca imóvel. Face esbranquiçada, quase que ossuda, e
tudo assim como uma ressequida folha de outono esperando somente a ventania.
E eis o último suspiro. Mas antes de tudo
acabar, os olhos se abriram como espantados, como se tivessem avistado algo
realmente extraordinário. Mas como um enfermo, no instante de seu suspiro
final, consegue avistar algo assim tão inacreditável de causar surpresa?
Aqueles olhos sem luz, sem nada mais
enxergar, sem qualquer reação para as coisas do mundo, assim reagiram diante de
uma face iluminada que chegara naquele momento, naquele último instante de
vida. Ali, diante dos olhos sem luz e no instante do último suspiro, estava a
face de Deus.
“Foste um homem bom na existência terrena.
Por isso mesmo estou aqui para ensinar o caminho de luz e antes que a escuridão
se faça completamente e o anjo da maldade queira desnortear seu caminho”. Eis
as palavras de Deus.
E a morte respondeu: “Sim, reconheço esta
face de luz. Deus, meu Deus, verdadeiramente não me abandonaste. E sei que
vieste me recolher da vida terrena e me levar nos teus braços para os verdes
campos do Paraíso. Mas...”.
“Já estava esperando teu pedido de
indulgência. Este mas pronunciado se expressa como uma pergunta: mas por que me
levar agora, por que não me concede mais um tempo de vida, por que não afasta
do meu corpo tantos sofrimentos e me faz novamente um ser vivente na
normalidade da existência? Não tencionavas falar assim, invocar-me em teu
favor?”. Assim ecoou a voz de Deus, apenas ouvida pela morte ali adiante.
A morte quis dizer que não, porém se
arrependeu a tempo. Não teria coragem de confrontar as verdades daquelas
palavras. Ora, era a voz suprema de Deus, sob cujos argumentos não há
contestação. Mas ainda assim lançou-se em piedade, dizendo:
“Senhor meu Deus, verdade que do meu corpo
físico nada mais resta e já tenho os pés na estrada e os braços lançados em
Vossa direção, mas teu poder divino, com apenas um sopro, poderá me conceder a
vida por um breve tempo. Sou tão jovem, tinha tantos planos, grandes objetivos
na vida, e fui ceifado quase que impiedosamente da existência...”.
“Certamente tens estes merecimentos, meu bom
homem. Mas pela minha voz já falou o Eclesiastes: Há um tempo para tudo, tempo
de semear e tempo de colher, tempo de deitar e tempo de acordar, tempo de
nascer e tempo de morrer. Ademais, até mesmo o sol, que vive e brilha todo o
seu esplendor, também morre ao cair da tarde. A morte, meu filho, a morte é a
estação na vida que o ser humano nunca deseja, mas que assim deve acontecer
porque primaveras precisam acontecer perante outros que neste momento estão
surgindo à luz”. Disse Deus, enquanto estendia as mãos na direção da morte.
“Só mais um momento, por favor, meu Senhor e
Deus. Dai-me, ao menos, o poder de fazer com que estes que estão ao meu redor
não sofram tanto com minha partida”. Disse a morte, num último apelo. Mas Deus,
fechando-lhe os olhos e cessando qualquer sopro de existência, afirmou, como
num eco que se dispersava pelo ar:
“Verás que já foi atendido, mas pela ação
divina e não pelo homem. Todos serão consolados, ainda que seja difícil até
para Deus afastar a dor em corações que sentirão saudades por ter
verdadeiramente amado”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Maravilhoso o que escreveu!
Bendito seja Deus e esse lindo final!
Que possamos ser sempre acompanhados por Ele!
Maria Luísa Adães "os7degraus"
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