Rangel Alves da Costa*
Já dizia o velho pensador que a infância faz
correr, a adolescência faz apressar, a idade adulta faz caminhar e a velhice
faz ir devagar. Mas a vagareza da idade, da velhice que chega, nem sempre
garante a movimentação, ainda que de modo muito curto e lento.
Tantas vezes, por fraqueza óssea, por
problemas os mais diversos possíveis e tão propensos ao surgimento quando a
velhice chega, o idoso se prostra de vez, cessa para sempre seu caminhar. As
pernas não têm mais forças, os passos não mais conseguem sair do lugar.
Daí em diante, numa cama ou de cadeira de
rodas, geralmente fica entregue ao forçoso recolhimento, com o mundo lá fora e
ele amargando a dolorosa permanência entre quatro paredes, muitas vezes numa
sala fria, num quarto escuro ou no mais sofrível esquecimento.
O neto vai e vem, passa apressado, começa a
correr, e o idoso apenas no seu cantinho, sem ser percebido, sem ter nenhuma
importância sequer como moldura velha. Os filhos chegam, entram e saem, dizem
qualquer coisa, mas não têm tempo para a palavra carinhosa, para o afago.
Mas nem tudo é esquecimento. De vez em quando
uma olhada naquela direção, uma pergunta para saber se está precisando de
alguma coisa, se está sentindo alguma indisposição. Contudo, apenas protocolos,
apenas o mesmo de sempre, sem nada que seja com maior calor, maior proximidade,
que seja mais cativante.
Noutros tempos, quando o jardim florescia
diante de seu olhar e do muro avistava pessoas, conversava com vizinhos, sentia
o mundo ao redor e a vida acontecer, tudo era muito diferente. Não está
distante do jardim nem do muro, não está longe da rua e das pessoas que por ela
passam, mas é como se uma ilha fosse o seu lar e o adiante a impossível
fronteira de ser ultrapassada.
Conhecia vizinhos, mantinha amizade com
pessoas das proximidades, recorda de uma gorda, lembra de uma magra, não pode esquecer
a fofoqueira de janela e muro. O mesmo gato passava miando pelo mesmo lugar, o
cachorro em busca do sombreado do entardecer. Tantos velhos amigos, e talvez
tão próximos e tão distantes companheiros de outras jornadas.
Talvez muitos já não existam mais. Alguns já
tinham sua idade ou mais. Não sabe se continuam vivos ou se foram rezar suas
ladainhas lá pelos lados do céu. Também não faz muita diferença continuar
existindo, respirando a vida, mas tendo de viver no aprisionamento de quatro
paredes, sem poder sequer caminhar até a janela para receber o primeiro sol da
manhã.
Que cruel é o tempo. Terrível é a velhice sem
que possa ser vivida nas suas últimas forças. O calendário amarela e continua
indo adiante, o relógio envelhece e continua seguindo seu passo, tudo passa,
segue, vai, mas nem toda velhice consegue se mover de seu destino final. E o pior
é ter ainda mente para reconhecer que ali está seu agora e seu amanhã, e que
dali somente sairá quando a noite mais escura chegar.
Ouve o mundo lá fora, a vida é barulhenta,
principalmente com a meninada que grita, brinca, se dana de canto a outro. Como
gostaria de encontrar ao menos uma fresta para avistá-los assim tão felizes,
tão cheios de vida. Mas não, pois consegue somente lançar o olhar cansado ao
redor para avistar o velho retrato na parede.
Ali no quadro, na moldura antiga, de madeira
de lei escurecida, um retrato e um sorriso. Dois sorrisos, um casal. Um chapéu
panamá e um penteado forjado na brilhantina. Por cima do vidro empoeirado ainda
se avista aquelas feições. E como queria que aquela boca se abrisse para dizer
que venha.
Para dizer que venha. Venha que a morte não é
ruim, eis que mais digna que uma existência na desvalia, no esquecimento. Então
venha, pois aqui há um anjo esperando com uma canção e um Deus que já coloca
flores à porta de sua morada. Então venha.
Uma lágrima se derrama cansada. Os olhos se
fecham. E vai.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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