Rangel Alves da Costa*
Certamente que a tristeza é sentimento que vai
surgindo no íntimo e se irradia por todo o ser. Sua visibilidade se expressa
principalmente na feição, nos olhos e no coração. E comumente vai brotando do
nada, como mera indisposição que logo é transformada em sensações de angústia,
aflição, dor íntima que vai provocando a reclusão.
Como dito popularmente, a tristeza passageira
não mata, não causa danos irreversíveis, mas causa estragos difíceis de ser reparados.
E também é dito que a cura da tristeza está na mente, no afastamento ou
distanciamento daquilo que a provoca. Mas também no olhar, eis que os olhos são
portais de encontro e passagem para instantâneos que têm o dom de pesarosamente
modificar qualquer um.
Uma verdade: a tristeza é sempre provocada,
seja pelo próprio ser ou por uma realidade exterior. Costuma ser ocasionada por
acontecimentos, fatos e situações. Nasce alheia ao desejo do indivíduo, mas
também por este pode ser convidada a causar sofrimento e dor. Assim quando
alguém se motiva a pensar em situações angustiantes ou vai abrindo portas e
janelas para reencontrar feições doloridas.
De repente, mesmo não tencionando invocar
dores na alma, a pessoa começa a percorrer caminhos melancólicos, espinhentos,
sempre penosos. Recorda o ex-amor, recorda um ente querido que partiu deixando
imensa saudade, recorda uma feição que gostaria de ter diante de si no momento
e de um corpo que tudo daria para abraçar e beijar. E muitas outras situações
verdadeiramente cruciantes.
Como afirmado, a tristeza não é provocada
apenas pelas realidades que envolvem a pessoa. Muito além do desejo, do
pensamento e da provocação, e num instante o sol vira lua escondida e o dia
ensolarado se torna tempestade. E assim acontece porque muito do que está além
da pessoa tem o dom de provocar reações internas imediatas. A pessoa pode estar
alegre, sorridente, feliz, mas de repente e uma simples visão pode modificar
tudo.
E são os cenários, as paisagens e tudo aquilo
que se mostra além do olhar, que num segundo pode provocar tristezas profundas.
Desse modo, um olhar com brilho de felicidade de repente se volta para algo e
ali encontra o despertar do sofrimento. A pessoa está cantando na sala, mas ao
abrir a janela se enche de angústia pelo que avista.
Outras vezes, contudo, é a própria pessoa que
segue ao encontro daquilo que pode causar tristeza. Assim acontece, por
exemplo, quando sai de ambiente alegre ou em meio a muitas pessoas e vai
procurar um ambiente solitário, distante de tudo, no silêncio que chega com
imagens mentais. Não há como fugir da reflexão, do pensamento mais aprofundado,
das recordações mais íntimas, do entristecimento.
De qualquer modo, quando a pessoa não instala
em si o ambiente propício ao entristecimento, a tristeza será facilmente
encontrada logo adiante, na distância do alcance do olhar. Além do olhar
surgirá a paisagem com a tristeza ao fundo. Não porque o cenário seja lúgubre,
triste ou desencorajador, mas simplesmente porque os olhos não captam o significado
exterior, a beleza em si, mas aquilo que ativa o lado mais nostálgico e
melancólico da alma.
Ora, dependendo da sensibilidade ou da
propensão da alma no instante, dificilmente a tristeza não chegará se a pessoa
estiver caminhando num cais solitário ao entardecer, ouvindo apenas o barulho
das águas e o murmurejo de coqueiros embalados pelo vento que sopra. E levanta
o olhar para encontrar as últimas cores da tarde, tão afogueadas e
melancólicas.
Dentro do quarto e chovendo lá fora, a pessoa
caminha para a tristeza todas as vezes que se aproxima da vidraça embaçada.
Passa a mão naquela nuvem molhada e avista um pássaro entristecido num galho
adiante. E basta tal cena e o íntimo será despertado para realidades
angustiantes. E o pensamento começa a viajar para recolher as dores do mundo.
Apenas uma cena, uma paisagem, mas sempre com tristeza ao fundo. E como dói ser
essa moldura.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Que texto lindo!
A tristeza cria raízes que, mesmo após arrancadas, voltam a crescer um dia. basta o adubo certo no momento certo (ou errado?)
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