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quarta-feira, 11 de junho de 2014

PAISAGEM COM TRISTEZA AO FUNDO


Rangel Alves da Costa*


Certamente que a tristeza é sentimento que vai surgindo no íntimo e se irradia por todo o ser. Sua visibilidade se expressa principalmente na feição, nos olhos e no coração. E comumente vai brotando do nada, como mera indisposição que logo é transformada em sensações de angústia, aflição, dor íntima que vai provocando a reclusão.
Como dito popularmente, a tristeza passageira não mata, não causa danos irreversíveis, mas causa estragos difíceis de ser reparados. E também é dito que a cura da tristeza está na mente, no afastamento ou distanciamento daquilo que a provoca. Mas também no olhar, eis que os olhos são portais de encontro e passagem para instantâneos que têm o dom de pesarosamente modificar qualquer um.
Uma verdade: a tristeza é sempre provocada, seja pelo próprio ser ou por uma realidade exterior. Costuma ser ocasionada por acontecimentos, fatos e situações. Nasce alheia ao desejo do indivíduo, mas também por este pode ser convidada a causar sofrimento e dor. Assim quando alguém se motiva a pensar em situações angustiantes ou vai abrindo portas e janelas para reencontrar feições doloridas.
De repente, mesmo não tencionando invocar dores na alma, a pessoa começa a percorrer caminhos melancólicos, espinhentos, sempre penosos. Recorda o ex-amor, recorda um ente querido que partiu deixando imensa saudade, recorda uma feição que gostaria de ter diante de si no momento e de um corpo que tudo daria para abraçar e beijar. E muitas outras situações verdadeiramente cruciantes.


Como afirmado, a tristeza não é provocada apenas pelas realidades que envolvem a pessoa. Muito além do desejo, do pensamento e da provocação, e num instante o sol vira lua escondida e o dia ensolarado se torna tempestade. E assim acontece porque muito do que está além da pessoa tem o dom de provocar reações internas imediatas. A pessoa pode estar alegre, sorridente, feliz, mas de repente e uma simples visão pode modificar tudo.
E são os cenários, as paisagens e tudo aquilo que se mostra além do olhar, que num segundo pode provocar tristezas profundas. Desse modo, um olhar com brilho de felicidade de repente se volta para algo e ali encontra o despertar do sofrimento. A pessoa está cantando na sala, mas ao abrir a janela se enche de angústia pelo que avista.
Outras vezes, contudo, é a própria pessoa que segue ao encontro daquilo que pode causar tristeza. Assim acontece, por exemplo, quando sai de ambiente alegre ou em meio a muitas pessoas e vai procurar um ambiente solitário, distante de tudo, no silêncio que chega com imagens mentais. Não há como fugir da reflexão, do pensamento mais aprofundado, das recordações mais íntimas, do entristecimento.
De qualquer modo, quando a pessoa não instala em si o ambiente propício ao entristecimento, a tristeza será facilmente encontrada logo adiante, na distância do alcance do olhar. Além do olhar surgirá a paisagem com a tristeza ao fundo. Não porque o cenário seja lúgubre, triste ou desencorajador, mas simplesmente porque os olhos não captam o significado exterior, a beleza em si, mas aquilo que ativa o lado mais nostálgico e melancólico da alma.
Ora, dependendo da sensibilidade ou da propensão da alma no instante, dificilmente a tristeza não chegará se a pessoa estiver caminhando num cais solitário ao entardecer, ouvindo apenas o barulho das águas e o murmurejo de coqueiros embalados pelo vento que sopra. E levanta o olhar para encontrar as últimas cores da tarde, tão afogueadas e melancólicas.
Dentro do quarto e chovendo lá fora, a pessoa caminha para a tristeza todas as vezes que se aproxima da vidraça embaçada. Passa a mão naquela nuvem molhada e avista um pássaro entristecido num galho adiante. E basta tal cena e o íntimo será despertado para realidades angustiantes. E o pensamento começa a viajar para recolher as dores do mundo. Apenas uma cena, uma paisagem, mas sempre com tristeza ao fundo. E como dói ser essa moldura.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com   

Um comentário:

Ana Bailune disse...

Que texto lindo!
A tristeza cria raízes que, mesmo após arrancadas, voltam a crescer um dia. basta o adubo certo no momento certo (ou errado?)