Rangel Alves da Costa*
Não há simbologia mais contraditória que a
existente nos pombos. Mas não que as aves sejam culpadas de serem inversamente
transgredidas nos seus significados. A culpa é do homem, que as simbolizam de
um modo e as tratam de forma totalmente diferente. Talvez como o próprio ser
humano, que se expressa de um jeito e sempre age pelo avesso.
Não é difícil constatar o que afirmo. Os
livros e outros escritos - principalmente bíblicos - não deixam mentir, pois
neles se contem diversas faces simbólicas com relação ao pombo. E todas de
forma sublime, angelical, de um humanismo tal que mais parece ave sagrada ou
com laços divinais.
Aliás, quem assistiu a abertura da Copa do Mundo
pôde observar que antes do início da partida três crianças entraram em campo
levando três pombas brancas. E foram soltas bem no meio do circulo formado
pelos jogadores das duas seleções. Representavam a paz, a ideia de que é
necessário um convívio harmonioso não só no futebol como em todas as relações
da vida.
Assim o pombo está na paz, na sacralidade, no
matrimônio, em tudo que envolva pureza e inocência. Mas também está no seu
inverso, eis que igualmente rejeitada pela sociedade como um verdadeiro mal que
deva ser duramente combatido. E a ele é reputado uma série de problemas que o
afasta de vez daquele sentimento de candura existente na outra face. Mas por
que assim acontece?
No catolicismo, a pomba branca simboliza a
paz. Noé viu que as águas haviam baixado e a paz havia retornado após soltar um
pombo e este retornar trazendo no bico um ramo de oliveira: E a pomba voltou a ele à tarde; e eis,
arrancada, uma folha de oliveira no seu bico; e conheceu Noé que as águas tinham
minguado de sobre a terra (Gênesis 8:11). Era sinal que o castigo de Deus havia
terminado e a paz voltava a reinar.
Segundo o Novo Testamento, o pombo também
simboliza o batismo. Após o batismo de Jesus, uma pomba desceu sobre ele como
simbologia da presença do Espírito de Deus: E, sendo Jesus batizado, saiu logo
da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo
como pomba e vindo sobre ele (Mateus 3:16).
Na Santíssima Trindade também se observa a
pomba simbolizando o próprio Espírito Santo. Acima do Pai e do Filho a pomba
branca, que é o mesmo simbólico Espírito de Deus como surgido após o batismo de
Jesus. Ademais, na Bíblia pomba representa também o perdão de Deus sobre a
terra.
Nos enlaces matrimoniais o pombo passa a ter
dupla representatividade, não só como comunhão de amor e paz como na união havida
entre os dois pombinhos: o noivo e a noiva, ou esposo e esposa. Eis que se
pressupõe a união conjugal como entrelaçamento entre os dois pombinhos que
viverão eternamente enlaçados num ninho de amor. Logicamente muito mais
fantasia que realidade.
A pomba ou o pombo também está estampado nas
bandeiras e emblemas de uma infinidade de instituições assistenciais, de órgãos
de caridade e onde se pretenda representar ações humanitárias. E é tão forte e
representativo tal símbolo que se expressa pela própria imagem, não
necessitando de nenhuma palavra que a defina. Basta que se aviste a pomba
branca tremulando e ali estará uma expressão de bondade.
Contudo, o mesmo pombo, ou a mesma pomba da
paz, de repente parece transmudada em algo abjeto, repugnante, detestável. E
por que assim acontece, vez que não se justifica odiar aquilo que tanto se
preza e se respeita? Assim acontece porque o ser humano acostumou a
desrespeitar todas as simbologias perante as situações reais.
E com o pombinho não é diferente. Se numa praça
existir uma bandeira com uma pomba estampada, quem passe adiante
compreenderá seu significado, mas aquela
simbologia se transformará em rancor, em algo detestável, se por acaso alguma
pombinha de verdade tentar se aproximar. Eis que diferentemente do símbolo, a
ave representará a proximidade de doenças, de uma infinidade de parasitas.
É difícil compreender, mas a pomba da paz, do
amor e da solidariedade, das passagens bíblicas, logo é vista como potencial
assassina, como hospedeira de doenças terríveis e verdadeira ameaça para a
humanidade. Tida como mais perigosa que arsenais de guerra, não raro é afligida
por armas e pedradas e ali mesmo deixa seu sangue escorrer. O sangue e a morte
na pomba, nesta que simboliza a candura da vida.
É verdadeiro o perigo que representa, e desde
suas fezes à carícia nas penugens. Em cada uma há potencial ameaça à saúde do
ser humano. Mas será mais fácil o homem destruir todas as bandeiras de paz que
dizimá-la completamente. A poesia não deixaria, eis que também representa a
perfeição singela do verso.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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