SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 25 de junho de 2014

CUIDADOS


Rangel Alves da Costa*


Nenhuma ação humana se exaure em si mesma. Tudo, mesmo sem causa ou justificação, possui consequências. Por isso é preciso muito cuidado em cada passo, em cada ação, vez que a mais simples das atitudes pode provocar conseq inusitadas.
A flor é bela, atraente, perfumada, mas o jardim tem dono. Ir além de apreciá-la pode não ser a melhor atitude. Não apenas pela planta e o jardim que perdem aquela presença, mas também pelo dono do jardim que vai sentir sua ausência. E assim também acontece quando ultrapassam o seu muro para dar fim às pequenas flores cotidianas que você tanta luta para manter.
A resposta precisa ser dada e não pode ser diferente. O não tem de ser não, o sim tem de ser sim, sem meio-termos. Contudo, diferentemente da resposta positiva, que geralmente causa alegria e satisfação, a resposta negativa pode ir muito além da mera tomada de posicionamento. Ouvir um não pode ser algo tão desagradável quanto a rejeição do próprio ser. Por isso cuidado ao ter de dizer não. Existem muitas outras maneiras de negar sem que a palavra seja tida como um punhal afiado na pele.
Cuidado, não alimente em si nem perante os outros nada além daquilo que sempre pode provar que possui. Não adianta o enfeite momentâneo se o adorno será inexistente em outras situações. Não adianta manter aparências se a realidade se mostra totalmente diferente. Não adianta pretender ser além do que realmente é, e sob pena de sempre ser menos do que gostaria de ser. Não adianta oferecer mares, paraísos e horizontes e se a realidade é terrena e não há asas para fingir que está voando. Cuidado, muito cuidado.
A não ser por esforço próprio, pelo suor derramado e pela luta de todo dia, nada será conquistado de forma fácil nem chegará como que por encanto ou milagre. Tudo é fruto da busca e do sacrifício, do dar tudo de si para garantir ao menos o mínimo de sobrevivência. Por isso muito cuidado com as facilidades inexplicavelmente surgidas e com as graciosidades oferecidas.  Nada simplesmente cai do céu ou surge como dádiva da terra sem que seja com uma contrapartida embutida, ainda que invisível. E tudo faz compreender que somente aquilo conquistado pelo próprio ser vem com a garantia de que lhe foi justo receber.
Confiar em que, em quem, e até onde? O próprio ser humano está propenso a ser traído pelas próprias atitudes. Não raro que as promessas íntimas são quebradas pela própria fragilidade do ser. Por mais que o indivíduo se comprometa a não errar, a não reincidir numa atitude tomada ou jamais fazer aquilo que no outro é tão deplorável, ainda assim estará fadado a ser seu próprio algoz. E assim porque ao homem é difícil demais ponderar cautelosamente entre o erro e o acerto diante de determinadas situações. Daí ser inevitável o erro humano, mas também um meio eficaz para experimentar daquilo que não deveria e assim aprender a não repetir.
A roupa estendida no varal não demora muito para receber a primeira bolada da meninada que brinca no descampado ao redor. Não há como evitar que as mangas mais bonitas do vistoso pomar do quintal tenham sumido ao amanhecer. Não há como impedir que a criançada tenha seus momentos de diversão, de soltar pipas, correr pelos campos, jogar bola, passar correndo em cavalo de pau. Cada idade possui seu sentido e sua razão de ser. Compreender que criança chuta bola no varal, que leva a fruta do quintal e gosta mesmo de brincar, apresenta-se como igual compreensão que o adulto possui práticas próprias e não gosta de estas serem vistas como infundadas ou desregradas.   
Por isso cuidado, tenha muito cuidado. O louco é visto como tal porque é portador de uma enfermidade mental, e não porque age contrariamente ao que é tido por normalidade entre os que se imaginam sãos. A pedra dura, silenciosa e inerte, nem sempre transparece assim para muitos. E, não raro, tardes inteiras são passadas no convívio amigável e no diálogo fortalecedor com a pedra. Eis que as pedras ouvem e também falam. Não duvide dessa certeza. Dizem que os botões também são do mesmo jeito, duros e insensíveis, mas os momentos mais interessantes da vida são vivenciados conversando com eles.
Por isso cuidado. Cuidado com o que pensa, com o que vê, com o que faz. Cuidado com tudo, pois tudo pode ser de forma muito diferente do que se imagina como verdade única.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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