Rangel Alves da Costa*
Que venha de longe ou de perto, de lugar
conhecido ou incerto, pode chegar e entrar. Se trouxer notícias boas, pode
entrar sem bater à porta.
Se vier de terra distante e de lá trouxer um
punhado de esperança no olhar, então que compartilhe as dádivas almejadas, e
por isso mesmo pode entrar sem bater à porta.
Sei que não anda sem aió, alforje ou
embornal, e por isso mesmo guarda na algibeira um velho livro com grandes e
sábias lições vindas de um povo honrado, então me dê o prazer de avistar cada
página, de aprender um pouquinho da vida. Então entre sem bater à porta.
Tenho tido muita saudade de ouvir uma valsa,
uma sinfonia, uma sonata, um noturno qualquer, voos sem asas para enternecer a
alma, confortar o espírito e sonhar no instante, e sem traz consigo uma
partitura, que chegue logo. E pode entrar sem bater à porta.
As cartas que enviei um dia haverão de
retornar. Não sei se lidas, não sei se beijadas ou correspondidas, mas
certamente haverão de retornar. Fiz perguntas e quero respostas, mandei beijos
e quero lábios em papel, disse da saudade e preciso saber de uma lágrima
qualquer. Se traz a carta, ao menos uma carta, então entre sem bater à porta.
Uma feição festiva faz bem em todo lugar; um
sorriso bonito e franco areja paredes carcomidas; uma palavra terna e amiga faz
renascer a vida; os braços abertos despertam a emoção. Sei que me você tal
moldura, por isso entre sem bater à porta.
Porta fechada não é sinal de abandono; porta
fechada não significa ausência; porta fechada não quer dizer que não pode
chegar, não pode bater, não pode entrar. Alguém está lá dentro e na solidão,
talvez na tristeza e desolação, esperando somente que vá logo chegando e
cuidando de entrar sem bater à porta.
Tive medo da noite, tive medo do frio. Também
tive medo do medo e medo do surgisse ao redor. E tive tanto medo de não passar
o medo, que encontrei uma porta fechada e corri até lá. Mesmo fechada a porta
se abriu, pois sabia do meu medo e me deixou entrar sem bater à porta.
O viajante que passa cansado, faminto e
sedento, vê porta aberta como uma miragem. Ao se aproximar encontra a porta
fechada. Desalentado vai seguindo adiante e sem se dar conta que naquela porta
estava a moringa e o pedaço de pão, o tronco pra sentar e um proseado. E
bastaria chamar que alguém lá de dentro diria que pode entrar sem bater á
porta.
Sem ninguém na casa, a porta fechada. Os anos
que passam e a porta fechada. Quem passa adiante sente o abandono, e logo
imagina da silenciosa e escura solidão ali habitante. Teias de aranha por todo
lugar, réstias de sol descendo do telhado, folhas secas espalhadas ao redor, um
resto de tudo relegado nos cantos. Mas a ventania ali faz moradia e ao
anoitecer vai chegando afoita e logo entra sem bater á porta.
A janela fechada com um caqueiro no umbral.
Apenas uma flor se eterniza ali. Ninguém abre a janela, ninguém abre a porta.
Ninguém molha a flor nem olha sua cor, não sente seu perfume nem aduba o
caqueiro. Apenas uma flor solitária esquecida no tempo, mas se chega um buquê
de qualquer primavera, logo a porta se abre sem bater à porta.
Eu queria ser uma porta esperando o carteiro,
esperando o poeta, esperando o viajante. Solitário no quarto, olhando pela
fresta, logo correria se a carta chegasse, se o poema viesse como declamação, e
o viajante trouxesse notícias de além. E a minha voz se abriria em canto e
diria que entrasse sem bater à porta.
Mas como não sou porta, nem janela eu sou.
Nem ser fresta me resta, pois nada me restou. Fujo pro mundo pra caminhar sem
destino, até que me canse de ver portas fechadas e sem jamais abri-las, quando
retornarei para a vida que tenho e onde entro e saio sem bater à porta.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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