Rangel Alves da Costa*
Como ocorreu e ainda acontece em toda a
região nordestina, basta que a seca aperte e o homem vai logo procurando outros
meios de sobrevivência.
Muito mais que hoje, tempos atrás a falta de chuvas
significava ficar sem nenhuma perspectiva de trabalho ou de ganha-pão. Ora, num
sertão aonde praticamente tudo vinha da terra, sem pingo d’água não havia
plantação, colheita, roçamento, capinação, nada que fosse garantia de tostão na
mão do trabalhador.
E o que fazer em tempos assim tão difíceis?
Tornar realidade aquela triste partida cantada por Luiz Gonzaga, só que sem a
família e o restinho de tudo, e apenas com a mala, a coragem e os sonhos tantos
levados à cidade grande, ao sul do país. Para aquele nordestino humilde, e
tantas vezes iletrado, sul do país se resumia a São Paulo e Rio de Janeiro.
Assim, bastava que o trabalho do dia a dia escasseasse
ou sumisse de vez e o sertanejo logo começava a fazer planos para viajar. Era
uma decisão muito difícil de ser tomada, principalmente quando o rapazinho já
estava compromissado com a família da moça e só faltava o tempo melhorar para o
casamento.
Hoje é muito difícil de acontecer,
principalmente quando se sabe que a traição amorosa ou conjugal é feita mesmo com
o marido em casa, mas nos tempos idos o noivo viajava sem medo. E lá do sul,
ciente que sua amada mantinha-se casta e virtuosa, todo mês enviava um
pedacinho do ganho para comprar uma coisinha ou outra, para comprar tijolo ou
levantar uma parede. E no retorno tudo ficava mais fácil.
Tenho minhas dúvidas nas virtudes amorosas de
hoje, sobretudo entre os mais jovens. Não há de se espantar se um cabra casado
tiver de viajar para ralar feito um desatinado noutras terras distantes e no
regresso não consiga sequer passar na porta de casa. As pontas não deixam. Mas
noutros tempos havia muito mais confiança e a certeza que a saudade era a única
coisa atormentando a forçada separação.
Quando o cabra era solteiro, desimpedido,
tendo viajado sem deixar moça de família compromissada, então a situação mudava
de figura. O dinheirinho que acaso enviasse era para ajudar na feirinha de
casa, na remediação de qualquer coisa mais urgente. E o que fosse juntando por
lá era tencionando retornar uma pessoa totalmente diferente daquele tabaréu que
nada conhecia da modernagem.
Para a grande maioria dos sertanejos, viver
algum tempo no sul significava arvorar-se de seu linguajar, suas gírias, seus
modismos, seus modos de vida. Quer dizer, transformar-se num ser totalmente
diferente daquele simples caboclo acostumado com o sol e sonhando debaixo da
lua grande. E a verdade é que realmente
se transformava. Mas o problema - e este imenso - estava no retorno a terra.
Descia do ônibus de seu Vavá quase irreconhecível
pelos familiares e conterrâneos. Falando chiado, num carioquês reforçado, o
cabelo era uma verdadeira estripulia. Todo endurecido, estoquiado para cima,
mantido assim à força de um pedaço de madeira com longas pontas agulhadas e que
se passava por pente. Era o tal do black power. E a vestimenta era quase sempre
um show à parte.
Camisa florida, geralmente de manga comprida,
calça apertada que ia forçosamente folgando abaixo do meio da perna. Ia se
abrindo feito sino, daí o nome calça boca de sino. Quando não folgava pelo próprio
tecido, bastava mandar costurar um pano de outra cor, também conhecido como
nesga, geralmente florido. E uma pessoa assim se portava como o mais bem
vestido do mundo, um verdadeiro galã sertanejo.
Mas na bagagem com modismos tais, não podia
faltar a radiola e os vinis com os estrondosos sucessos do sul do país. Alguns
chegavam com mala entupida de música de embalo ou discoteca. Mas a maioria
preferia o romantismo apaixonado, assim como Evaldo Braga ou José Ribeiro:
“Tens a beleza da rosa, uma das flores mais formosas. Tu és a flor do meu lindo
jardim...”.
Contudo, não demorava muito e o galã ia
amiudando. Sem dinheiro suficiente para manter a pose e a carioquice, o modismo
e a ginga, aos poucos ia se desfazendo de tudo, de roupa a radiola. E tinha de
novamente acostumar a ser e viver como sertanejo. E reaprender a lidar com o
cabo da enxada.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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