Rangel Alves da Costa*
Acima das nove da noite, quando os meus
canais favoritos (Discovery Theater, History e National Geographic) estão passando
bobagens, vou diretamente ao Fox em busca de Os Simpsons. É apenas uma série norte-americana
de animação, mas certamente com conteúdo muito mais atrativo e instigante que a
maioria dos enlatados que se repetem pelos canais. E o referido canal, por ser
possuidor dos direitos da série, todas as noites transmite cerca de cinco episódios,
e de forma consecutiva.
A grande maioria já conhece as proezas da
família Simpson, e esta formada por Homer, Marge, Bart, Lisa, Maggie e o vovô
Simpson. Os outros personagens também são muitos conhecidos, vez que se revezam
em pequenas tramas retratando a vida entre vizinhos e conhecidos que se deparam
com as situações mias inusitadas. A família Simpson e os demais personagens
sintetizariam o microcosmo da sociedade norte-americana. Daí o seu acentuado
conteúdo crítico. Mas não é intenção deste escrito analisar
características comportamentais dos personagens nem elaborar uma análise sobre
a série em si. Apenas acerca de um personagem, e este sempre aparecendo de
forma secundária nas histórias, ainda que recorrentemente parte das tramas
aconteça na sua taberna. Em todo episódio e ele é mostrado atrás do balcão
servindo sua fiel freguesia ou recolhido ao seu quarto, sempre envolto em
tristezas e indagações.
Falo de Maurice Lester Szyslak, ou
simplesmente Moe. Isto mesmo, Moe é aquele feioso, um tanto misterioso, e que
vive recebendo no balcão de seu botequim os velhos amigos de Springfield para a
bebedeira e as conversas fiadas. É uma clientela cativa que não se cansa de
pedir mais uma Duff, a cerveja famosa de lá. Como bom taberneiro no seu ofício
do dia a dia, ele vai apenas servindo e tendo de suportar as piadas mais
constrangedoras.
Contudo, o Moe que serve bebida aos mesmos
clientes de sempre é apenas um ser aparente diante do outro Moe pessoal.
Pessoalmente é um solteirão amorosamente fracassado, sempre rejeitado,
entristecido, sem nenhuma valorização íntima. Quer se conformar com sua
realidade de abandono, porém não consegue. E por isso mesmo de vez em quando
repassa sua desconformidade comportamental à sua própria taberna. Daí ser um
ambiente desconfortável, com banheiros imundos e bebidas nem sempre legítimas.
Quer dar uma de espertalhão, mas só consegue transmitir os descompassos de sua
vida.
Um fato em si se toma de maior relevância na
vida de Moe. No seu quarto, o mesmo ambiente onde dialoga com suas mágoas,
angústias e rejeições, pode ser avistado, permanentemente, uma corda descendo
do telhado em nó, pronta para ser usada em suicídio. E tantas e tantas vezes
ele é mostrado conversando com aquela corda, afirmando que chegou o momento de
usá-la, que precisa fazer com que não permaneça ali inutilizada por mais tempo.
E trata a tal corda como sua amiga. Quer dizer, vê a possibilidade da morte
como algo confortador para alguém tão solitário e abandonado como ele.
Em diversos episódios, o suicida Moe é
mostrado se preparando para o desfecho fatal da vida. Em cima de uma cadeira,
já colocando a corda no pescoço, e um fato novo surge para adiar sua trágica
decisão. Contudo, tudo aquilo que lhe surge como esperança logo se transforma
no pesadelo de sempre, ou seja, levando-o à mesma situação de negação íntima já
tantas vezes vivenciada. E novamente sofre e novamente promete que a sua amiga
lhe será de grande serventia naquela noite.
Num dos últimos episódios que assisti, o
solitário e triste Moe protagonizou uma cena deveras comovente, realmente digna
de um grande filme, talvez de um épico. Após mais um dia de angústias e
aflições, com o bar já sem clientes, o taberneiro se pôs agachado para limpar o
piso. De onde estava lançou o olhar em direção à porta do quarto e a corda
suicida, pendida do telhado e pronta para o pescoço, balançava como num
chamado. Então ele, com olhos tristes e feição dolorosa, disse algo
emocionante:
“Hoje não, minha amiga. Mas deixe estar. As
festas de fim de ano já estão chegando!”. Foi a cena final daquele episódio.
Tais palavras são de uma profundidade indescritível.
Quer dizer, ele sabe muito bem que são poucos os corações sofredores que
suportam ultrapassar com firmeza aqueles dias tão reflexivos, nostálgicos e
melancólicos do final de ano. E é exatamente neste período que os suicídios são
mais praticados. Mas que o Moe consiga sobreviver, mesmo com sua angústia
desejosa de dar fim a tudo no próximo natal.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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