SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 22 de junho de 2014

UMA FICÇÃO COMOVENTE


Rangel Alves da Costa*


Acima das nove da noite, quando os meus canais favoritos (Discovery Theater, History e National Geographic) estão passando bobagens, vou diretamente ao Fox em busca de Os Simpsons. É apenas uma série norte-americana de animação, mas certamente com conteúdo muito mais atrativo e instigante que a maioria dos enlatados que se repetem pelos canais. E o referido canal, por ser possuidor dos direitos da série, todas as noites transmite cerca de cinco episódios, e de forma consecutiva.
A grande maioria já conhece as proezas da família Simpson, e esta formada por Homer, Marge, Bart, Lisa, Maggie e o vovô Simpson. Os outros personagens também são muitos conhecidos, vez que se revezam em pequenas tramas retratando a vida entre vizinhos e conhecidos que se deparam com as situações mias inusitadas. A família Simpson e os demais personagens sintetizariam o microcosmo da sociedade norte-americana. Daí o seu acentuado conteúdo crítico.                                                                     Mas não é intenção deste escrito analisar características comportamentais dos personagens nem elaborar uma análise sobre a série em si. Apenas acerca de um personagem, e este sempre aparecendo de forma secundária nas histórias, ainda que recorrentemente parte das tramas aconteça na sua taberna. Em todo episódio e ele é mostrado atrás do balcão servindo sua fiel freguesia ou recolhido ao seu quarto, sempre envolto em tristezas e indagações.
Falo de Maurice Lester Szyslak, ou simplesmente Moe. Isto mesmo, Moe é aquele feioso, um tanto misterioso, e que vive recebendo no balcão de seu botequim os velhos amigos de Springfield para a bebedeira e as conversas fiadas. É uma clientela cativa que não se cansa de pedir mais uma Duff, a cerveja famosa de lá. Como bom taberneiro no seu ofício do dia a dia, ele vai apenas servindo e tendo de suportar as piadas mais constrangedoras.
Contudo, o Moe que serve bebida aos mesmos clientes de sempre é apenas um ser aparente diante do outro Moe pessoal. Pessoalmente é um solteirão amorosamente fracassado, sempre rejeitado, entristecido, sem nenhuma valorização íntima. Quer se conformar com sua realidade de abandono, porém não consegue. E por isso mesmo de vez em quando repassa sua desconformidade comportamental à sua própria taberna. Daí ser um ambiente desconfortável, com banheiros imundos e bebidas nem sempre legítimas. Quer dar uma de espertalhão, mas só consegue transmitir os descompassos de sua vida.
Um fato em si se toma de maior relevância na vida de Moe. No seu quarto, o mesmo ambiente onde dialoga com suas mágoas, angústias e rejeições, pode ser avistado, permanentemente, uma corda descendo do telhado em nó, pronta para ser usada em suicídio. E tantas e tantas vezes ele é mostrado conversando com aquela corda, afirmando que chegou o momento de usá-la, que precisa fazer com que não permaneça ali inutilizada por mais tempo. E trata a tal corda como sua amiga. Quer dizer, vê a possibilidade da morte como algo confortador para alguém tão solitário e abandonado como ele.
Em diversos episódios, o suicida Moe é mostrado se preparando para o desfecho fatal da vida. Em cima de uma cadeira, já colocando a corda no pescoço, e um fato novo surge para adiar sua trágica decisão. Contudo, tudo aquilo que lhe surge como esperança logo se transforma no pesadelo de sempre, ou seja, levando-o à mesma situação de negação íntima já tantas vezes vivenciada. E novamente sofre e novamente promete que a sua amiga lhe será de grande serventia naquela noite.
Num dos últimos episódios que assisti, o solitário e triste Moe protagonizou uma cena deveras comovente, realmente digna de um grande filme, talvez de um épico. Após mais um dia de angústias e aflições, com o bar já sem clientes, o taberneiro se pôs agachado para limpar o piso. De onde estava lançou o olhar em direção à porta do quarto e a corda suicida, pendida do telhado e pronta para o pescoço, balançava como num chamado. Então ele, com olhos tristes e feição dolorosa, disse algo emocionante:
“Hoje não, minha amiga. Mas deixe estar. As festas de fim de ano já estão chegando!”. Foi a cena final daquele episódio.
Tais palavras são de uma profundidade indescritível. Quer dizer, ele sabe muito bem que são poucos os corações sofredores que suportam ultrapassar com firmeza aqueles dias tão reflexivos, nostálgicos e melancólicos do final de ano. E é exatamente neste período que os suicídios são mais praticados. Mas que o Moe consiga sobreviver, mesmo com sua angústia desejosa de dar fim a tudo no próximo natal.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com  

Nenhum comentário: