Rangel Alves da Costa*
Tudo que se transforma, traz consigo o preço
da modernidade, eis uma verdade. E assim em tudo na vida. Nas comemorações
juninas não poderia ser diferente, pois a simples manutenção da tradição da fogueira
com amigos ao redor exige um custo considerável. Apenas um tiquinho disso e
outro tantinho daquilo, mas na ponta do lápis acaba sempre num valor
inesperado.
Hoje se paga o preço gratuito de outros
tempos atrás. Antigamente, juntar os amigos ao lado de uma fogueira, colocar a
sanfona pra gemer, experimentar os pratos com as delícias da época e bebericar
o licor e o quentão, praticamente não exigia custo algum, eis que tudo da
terra, colhido e preparado ali mesmo.
Ora, o sertanejo, muito ou pouco, sempre
dispunha de milho verde para as noitadas juninas. Juntando o milho ao leite da
vaquinha e outros ingredientes, como o coco de quintal, surgiam a canjica, o
bolo de milho, o mungunzá com as espigas da safra passada, além de outras
variedades de pratos amarelados, perfumados e apetitosos.
Juntando garrancho, graveto ou pedaços de pau,
tudo encontrado ali mesmo pelos arredores da malhada, a fogueira já estava
garantida. Cachaça, quentão, licor, vinhos de botequim e outras bebidas
próprias da região, sempre estavam na medida do bolso magro. Quer dizer, a
festança estava garantida sem que o dono da casa tivesse de vender garrote ou
porco gordo para receber a vizinhança.
Tudo feito ali mesmo, ralado, remexido,
cozido em fogão de lenha, assado em forno de pedra, coado em arupemba, separado
em panela de barro, espalhado na madeira, servido sem frescura ou etiqueta,
sempre uma festa singela e com fartura. Ademais, depois de duas talagadas, o
velho tocador chamava o do zabumba e do pandeiro e o forró começava a comer no
centro. E assim ia até o dia amanhecer.
Hoje é muito difícil que aconteça assim, até
mesmo nas distâncias mais matutas dos sertões de meu Deus. Em primeiro lugar, a
tradicionalidade junina, enquanto singelo encontro de amigos ao redor de fogueira,
quase não existe mais. Não há palha de milho espalhada ao redor, canjica
cheirosa nem viola caipira nem sanfona cabocla. Em segundo lugar, o próprio
interior foi dando às festas juninas uma feição totalmente diferente daquilo
que se tinha noutros tempos. Para se ter uma ideia, dificilmente se encontra um
autêntico forró pé-de-serra, eis que a música eletrônica invadiu até mesmo as
beiradas das fogueiras crepitantes.
Ademais, o São João em si se transformou
apenas numa festa comum. As quadrilhas transformadas em verdadeiras escolas de
samba, com seus trajes luxuosos, fantasias e adereços, nem de longe lembra
aquelas festanças de amigos vestidos com roupa remendada, chapéu de palha,
vestido florido e o prazer maior de dar as mãos em meio ao salão. Do mesmo
modo, nos centros urbanos a sanfona tem de dar seu lugar ao artista famoso, ao
teclado, à parafernália tecnológica. E tudo isso é tudo, menos forró, menos
autenticidade junina.
Mas também, pelo custo elevado de uma simples
comemoração, quase ninguém pode mais manter a tradição. Uma latinha de amendoim
por dois contos, três espigas de milho também por dois contos, uma fogueira
pequena e de madeira ruim não sai por menos de quinze contos, uma garrafa de
licor por dez contos ou mais, sem falar no preço absurdo de outros produtos
próprios para o consumo junino.
Para se ter uma ideia, um caldeirão de arroz
doce ou de canjica não sai por menos de trinta contos, eis que requer o
caríssimo leite de coco em grande quantidade, sem falar no leite de gado, no
arroz, no milho ralado, no cravo, na canela, no açúcar e uma porção de outros
ingredientes. E sem falar no gás, no tempo demorado de preparo, no cuidado para
tudo ficar absolutamente no ponto. E acaso a pessoa deseje assar uma carne,
linguiça, queijo ou mesmo o milho na brasa, certamente vai ter de botar a mão
no bolso sem medo. E a bebida?
E ainda tem a filharada que quer fogos,
chuvinhas e tudo o mais que enfeita a noite num segundo e no outro já é só
fumaça. Mas é assim mesmo. Em tempos modernos pouco se há a fazer. Só resta
mesmo acender a fogueira, fechar os olhos e recordar de um São João que não
existe mais.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário