SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 23 de junho de 2014

O PREÇO DA TRADIÇÃO JUNINA


Rangel Alves da Costa*


Tudo que se transforma, traz consigo o preço da modernidade, eis uma verdade. E assim em tudo na vida. Nas comemorações juninas não poderia ser diferente, pois a simples manutenção da tradição da fogueira com amigos ao redor exige um custo considerável. Apenas um tiquinho disso e outro tantinho daquilo, mas na ponta do lápis acaba sempre num valor inesperado.
Hoje se paga o preço gratuito de outros tempos atrás. Antigamente, juntar os amigos ao lado de uma fogueira, colocar a sanfona pra gemer, experimentar os pratos com as delícias da época e bebericar o licor e o quentão, praticamente não exigia custo algum, eis que tudo da terra, colhido e preparado ali mesmo.
Ora, o sertanejo, muito ou pouco, sempre dispunha de milho verde para as noitadas juninas. Juntando o milho ao leite da vaquinha e outros ingredientes, como o coco de quintal, surgiam a canjica, o bolo de milho, o mungunzá com as espigas da safra passada, além de outras variedades de pratos amarelados, perfumados e apetitosos.
Juntando garrancho, graveto ou pedaços de pau, tudo encontrado ali mesmo pelos arredores da malhada, a fogueira já estava garantida. Cachaça, quentão, licor, vinhos de botequim e outras bebidas próprias da região, sempre estavam na medida do bolso magro. Quer dizer, a festança estava garantida sem que o dono da casa tivesse de vender garrote ou porco gordo para receber a vizinhança.
Tudo feito ali mesmo, ralado, remexido, cozido em fogão de lenha, assado em forno de pedra, coado em arupemba, separado em panela de barro, espalhado na madeira, servido sem frescura ou etiqueta, sempre uma festa singela e com fartura. Ademais, depois de duas talagadas, o velho tocador chamava o do zabumba e do pandeiro e o forró começava a comer no centro. E assim ia até o dia amanhecer.
Hoje é muito difícil que aconteça assim, até mesmo nas distâncias mais matutas dos sertões de meu Deus. Em primeiro lugar, a tradicionalidade junina, enquanto singelo encontro de amigos ao redor de fogueira, quase não existe mais. Não há palha de milho espalhada ao redor, canjica cheirosa nem viola caipira nem sanfona cabocla. Em segundo lugar, o próprio interior foi dando às festas juninas uma feição totalmente diferente daquilo que se tinha noutros tempos. Para se ter uma ideia, dificilmente se encontra um autêntico forró pé-de-serra, eis que a música eletrônica invadiu até mesmo as beiradas das fogueiras crepitantes.
Ademais, o São João em si se transformou apenas numa festa comum. As quadrilhas transformadas em verdadeiras escolas de samba, com seus trajes luxuosos, fantasias e adereços, nem de longe lembra aquelas festanças de amigos vestidos com roupa remendada, chapéu de palha, vestido florido e o prazer maior de dar as mãos em meio ao salão. Do mesmo modo, nos centros urbanos a sanfona tem de dar seu lugar ao artista famoso, ao teclado, à parafernália tecnológica. E tudo isso é tudo, menos forró, menos autenticidade junina.
Mas também, pelo custo elevado de uma simples comemoração, quase ninguém pode mais manter a tradição. Uma latinha de amendoim por dois contos, três espigas de milho também por dois contos, uma fogueira pequena e de madeira ruim não sai por menos de quinze contos, uma garrafa de licor por dez contos ou mais, sem falar no preço absurdo de outros produtos próprios para o consumo junino.
Para se ter uma ideia, um caldeirão de arroz doce ou de canjica não sai por menos de trinta contos, eis que requer o caríssimo leite de coco em grande quantidade, sem falar no leite de gado, no arroz, no milho ralado, no cravo, na canela, no açúcar e uma porção de outros ingredientes. E sem falar no gás, no tempo demorado de preparo, no cuidado para tudo ficar absolutamente no ponto. E acaso a pessoa deseje assar uma carne, linguiça, queijo ou mesmo o milho na brasa, certamente vai ter de botar a mão no bolso sem medo. E a bebida?
E ainda tem a filharada que quer fogos, chuvinhas e tudo o mais que enfeita a noite num segundo e no outro já é só fumaça. Mas é assim mesmo. Em tempos modernos pouco se há a fazer. Só resta mesmo acender a fogueira, fechar os olhos e recordar de um São João que não existe mais.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: