SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 12 de junho de 2014

SÍMBOLOS SERTANEJOS


Rangel Alves da Costa*


Simbolicamente, o sertão é representado de diversas formas. Assim, a realidade sertaneja, com seus aspectos geográficos, humanos e históricos, recebe representações visuais que sintetizam sua existência concreta. Surgiram, assim, verdadeiros pictogramas cujos traços pretendem uma imediata identificação do contexto retratado.  Desse modo, a noção ou a ideia de sertão pode ser expressa por meio outros que não palavras ou fotografias.
Ao se referir ao sertão, os escritos se voltam para a descrição de uma terra árida, com grandes períodos de estiagens, com uma população na sua maioria empobrecida, onde os proveitos do progresso e do desenvolvimento sempre tardam a chegar. Ou nunca chegam. As fotografias costumam mostrar o criatório magro vagando entristecido pelas pastagens esturricadas, o chão rachado pela falta de chuvas, o sol inclemente avançando por suas vertentes. E o homem com sua feição carcomida pelo abandono.
A terra sertaneja, no seu contexto regional nordestino, é também comumente relacionada a feitos históricos, culturais e religiosos. Neste sentido, o Padre Cícero Romão como representante maior da religiosidade do povo; Luiz Gonzaga como símbolo maior do cancioneiro autenticamente nordestino, através de sua sanfona e de seu baião; e Virgulino Lampião como ícone da luta sertaneja contra as injustiças e a opressão que assolaram as terras agrestinas desde séculos passados. O mesmo se diga de Antônio Conselheiro, na sua caminhada mítica atraindo fanáticos para a fundação de uma comunidade igualitária e justa.
Ainda sob diversos outros aspectos a ideia de sertão foi sendo difundida. Festanças, folguedos e outras manifestações artísticas dão a dimensão da riqueza cultural nordestina e situam as pessoas perante os seus quadrantes. Ora, danças como xaxado e forró logo fazem lembrar o sertão; do mesmo as quadrilhas juninas, os arraiás, os sanfoneiros, violeiros e repentistas. O mesmo se diga com relação às comidas típicas. Buchada parece ter cheiro e sabor de sertão. E também os artesanatos em rendas, de couro ou de barro. As bordadeiras e rendeiras, aquelas mãos rudes que trabalham os bilros com maestria, ainda estão pelas calçadas e sombras tamarineiras de toda a região. Não se deve esquecer o barro moldado pelo Mestre Vitalino nem os livretos de cordel pendurados nos barbantes pelas feiras interioranas.
Mas é outra a simbologia sertaneja aqui abordada, com características apenas gráficas ou visuais, mas que resume em desenhos ou traços toda a noção que se tem de sertão e logo remete o observador àquelas distâncias matutas. E não é difícil imaginar quais os símbolos geralmente utilizados quando se deseja expressar graficamente o contexto sertanejo. Então surge o chapéu de couro cangaceiro, o sol vivo e escaldante, o mandacaru de braços abertos. Vez por outra o cacto tendo acima o sol estilizado ou ainda o sol com chapéu cangaceiro. Ou tudo junto, sol, chapéu e mandacaru.
Utiliza-se ainda, mas raramente, o desenho da cabeça-de-frade ou da ossada da cabeça de vaca fincada em estaca e sempre mantendo as pontas. Jamais é utilizada uma árvore símbolo do sertão como a catingueira, ou mesmo animal antigamente muito encontrado nas terras, como o nambu ou o preá, mas apenas aqueles outros que os desenhistas veem como simbologia que abarca todo o conhecimento que se tem de sertão e de Nordeste. E realmente surte o efeito desejado, pois não há cartaz de evento que não traga estampado algum desses símbolos.
Mas alguém poderia dizer que diante de tanta riqueza histórica, humana e geográfica, simbolizar toda uma região apenas com um sol acima de um mandacaru é desvalorizar toda a pujança que há. Ou ainda afirmar que a simbologia escolhida somente confirma a tendência de se imaginar o sertão pelos seus aspectos mais rudes e negativos. E assim porque para muitos o chapéu cangaceiro retrata uma terra sangrenta, o sol significa apenas desvalia e desolação, enquanto o mandacaru a única força que resta. Noutros casos, uma terra apenas de sol, de violência e sofrimento. Não se atêm, contudo, ao que verdadeiramente pretendem representar tais símbolos.
A intencionalidade gráfica é exatamente para suscitar um reconhecimento imediato acerca do sertão, para dizer que ali está representado algum aspecto da chamada nordestinidade. Em tais casos,  o símbolo pode surgir com mais força que qualquer retrato, filme ou mesmo presença. Simbolizar a terra sertaneja, o seu povo, a sua história e a sua geografia através do sol, do chapéu ou do cacto significa fazer a síntese entre o pensamento e a realidade, ainda que a região possua infinitamente mais para ser simbolizado.
Ademais, os símbolos sertanejos são tão verdadeiros e expressivos quanto as realidades ali encontradas. O sol acostumou o povo a lidar com sua voracidade, o cacto expressa toda a persistência do homem, e o chapéu de couro ou com motivos cangaceiros não só a representação do autêntico sertanejo como a importância que se dá às lutas que foram travadas nas suas caatingas. Por consequência, a seca, a simplicidade e a sua história.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com  

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