Rangel Alves da Costa*
Simbolicamente, o sertão é representado de
diversas formas. Assim, a realidade sertaneja, com seus aspectos geográficos,
humanos e históricos, recebe representações visuais que sintetizam sua
existência concreta. Surgiram, assim, verdadeiros pictogramas cujos traços
pretendem uma imediata identificação do contexto retratado. Desse modo, a noção ou a ideia de sertão pode
ser expressa por meio outros que não palavras ou fotografias.
Ao se referir ao sertão, os escritos se
voltam para a descrição de uma terra árida, com grandes períodos de estiagens,
com uma população na sua maioria empobrecida, onde os proveitos do progresso e
do desenvolvimento sempre tardam a chegar. Ou nunca chegam. As fotografias
costumam mostrar o criatório magro vagando entristecido pelas pastagens
esturricadas, o chão rachado pela falta de chuvas, o sol inclemente avançando
por suas vertentes. E o homem com sua feição carcomida pelo abandono.
A terra sertaneja, no seu contexto regional
nordestino, é também comumente relacionada a feitos históricos, culturais e
religiosos. Neste sentido, o Padre Cícero Romão como representante maior da
religiosidade do povo; Luiz Gonzaga como símbolo maior do cancioneiro
autenticamente nordestino, através de sua sanfona e de seu baião; e Virgulino
Lampião como ícone da luta sertaneja contra as injustiças e a opressão que
assolaram as terras agrestinas desde séculos passados. O mesmo se diga de
Antônio Conselheiro, na sua caminhada mítica atraindo fanáticos para a fundação
de uma comunidade igualitária e justa.
Ainda sob diversos outros aspectos a ideia de
sertão foi sendo difundida. Festanças, folguedos e outras manifestações
artísticas dão a dimensão da riqueza cultural nordestina e situam as pessoas
perante os seus quadrantes. Ora, danças como xaxado e forró logo fazem lembrar
o sertão; do mesmo as quadrilhas juninas, os arraiás, os sanfoneiros, violeiros
e repentistas. O mesmo se diga com relação às comidas típicas. Buchada parece
ter cheiro e sabor de sertão. E também os artesanatos em rendas, de couro ou de
barro. As bordadeiras e rendeiras, aquelas mãos rudes que trabalham os bilros
com maestria, ainda estão pelas calçadas e sombras tamarineiras de toda a
região. Não se deve esquecer o barro moldado pelo Mestre Vitalino nem os
livretos de cordel pendurados nos barbantes pelas feiras interioranas.
Mas é outra a simbologia sertaneja aqui
abordada, com características apenas gráficas ou visuais, mas que resume em
desenhos ou traços toda a noção que se tem de sertão e logo remete o observador
àquelas distâncias matutas. E não é difícil imaginar quais os símbolos
geralmente utilizados quando se deseja expressar graficamente o contexto
sertanejo. Então surge o chapéu de couro cangaceiro, o sol vivo e escaldante, o
mandacaru de braços abertos. Vez por outra o cacto tendo acima o sol estilizado
ou ainda o sol com chapéu cangaceiro. Ou tudo junto, sol, chapéu e mandacaru.
Utiliza-se ainda, mas raramente, o desenho da
cabeça-de-frade ou da ossada da cabeça de vaca fincada em estaca e sempre
mantendo as pontas. Jamais é utilizada uma árvore símbolo do sertão como a
catingueira, ou mesmo animal antigamente muito encontrado nas terras, como o nambu
ou o preá, mas apenas aqueles outros que os desenhistas veem como simbologia
que abarca todo o conhecimento que se tem de sertão e de Nordeste. E realmente
surte o efeito desejado, pois não há cartaz de evento que não traga estampado
algum desses símbolos.
Mas alguém poderia dizer que diante de tanta
riqueza histórica, humana e geográfica, simbolizar toda uma região apenas com
um sol acima de um mandacaru é desvalorizar toda a pujança que há. Ou ainda
afirmar que a simbologia escolhida somente confirma a tendência de se imaginar
o sertão pelos seus aspectos mais rudes e negativos. E assim porque para muitos
o chapéu cangaceiro retrata uma terra sangrenta, o sol significa apenas
desvalia e desolação, enquanto o mandacaru a única força que resta. Noutros
casos, uma terra apenas de sol, de violência e sofrimento. Não se atêm, contudo,
ao que verdadeiramente pretendem representar tais símbolos.
A intencionalidade gráfica é exatamente para
suscitar um reconhecimento imediato acerca do sertão, para dizer que ali está
representado algum aspecto da chamada nordestinidade. Em tais casos, o símbolo pode surgir com mais força que
qualquer retrato, filme ou mesmo presença. Simbolizar a terra sertaneja, o seu
povo, a sua história e a sua geografia através do sol, do chapéu ou do cacto
significa fazer a síntese entre o pensamento e a realidade, ainda que a região
possua infinitamente mais para ser simbolizado.
Ademais, os símbolos sertanejos são tão
verdadeiros e expressivos quanto as realidades ali encontradas. O sol acostumou
o povo a lidar com sua voracidade, o cacto expressa toda a persistência do
homem, e o chapéu de couro ou com motivos cangaceiros não só a representação do
autêntico sertanejo como a importância que se dá às lutas que foram travadas
nas suas caatingas. Por consequência, a seca, a simplicidade e a sua história.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário