Rangel Alves da Costa*
Coisas que só aconteciam nos sertões de
antigamente...
Dizem que o Coronel Ponciano Pindaré viu sua
vida totalmente modificada depois de passar galopando defronte da casa de
Lavandeira, um de seus tantos vaqueiros.
Ia passando só de passagem, porém refreou o
alazão ao avistar uma menina saindo na porta da casinha de cipó e barro. Teve
de passar a mão nos olhos para ver se era verdade o que via à sua frente.
Confirmou num sorriso desavergonhado. Em
seguida acenou para o vigário que lhe acompanhava e num repente já estava
mandando a menina chamar o pai. Ao avistar o patrão, o homem estremeceu, pois
conhecia a fama ruim daquele dono do mundo.
Mas estranho mesmo se sentiu quando percebeu
um sorriso no rosto do velho e foi abraçado como um bom amigo. Coisa boa não é,
pensou. Quase sem voz, perguntou o que o patrão desejava visitando uma casa tão
pobre.
O velho mirou a menina de cima a baixo, fez
menção de que ia falar o que desejava, mas resolveu primeiro dialogar com o
vigário. Chamou o da igreja num canto e começou a segredar.
Após ouvir as intenções do coronel, porém
procurando a melhor forma de dizer o que achava sem despertar qualquer ira, o
vigário começou a explanar. E se alguém estivesse entre eles certamente ouviria:
“Mas coronel, ela é muito novinha, é uma
menina ainda. Mas se caiu nas suas graças, então o melhor a fazer é assegurar
que mais tarde ela seja sua. Então faça com que o pai dela lhe prometa que
assim que ela estiver mais crescida, já mocinha, então irá entregá-la de mão
beijada no casarão”.
E foi assim que a menina, sem mesmo saber de
nada, passou dali em diante estar prometida ao Coronel Ponciano Pindaré, senhor
absoluto daquele mundo e de tantos outros.
Na verdade, a menina era quase criança ainda,
não tendo nem chegado aos dez anos. Ainda brincava de boneca e dormia chupando
dedo, e sequer sabia o que era namoro ou essas coisas de homem e mulher. Por
outro lado, o coronel já era reconhecidamente velho.
Velho e viúvo, já quase chegado aos oitenta,
mas metido a ser fogoso. Dizem que gastava fortunas no Cabaré da Francesa,
todas as vezes que se dirigia até a capital. Mas seu sonho era mesmo encontrar
alguém quem nem lhe chamasse de velho nem lhe negasse um dengo.
Continuando na normalidade empobrecida da
família, a menina sequer imaginava que estava prometida. Seus pais não diziam
nada porque tinham bastante interesse que tudo desse certo mais tarde. Ora, sua
filha ia ser herdeira do coronel.
De três em três meses o poderoso patrão
passava pela casa dos pais da prometida. Mas sempre ouvia do vigário
acompanhante que esperasse um pouco mais, pois ainda não estava no tempo certo.
Passado um ano, o coronel mandou chamar o
vigário ao casarão para dizer que vinha sentindo alguma coisa estranha na sua
saúde e que, por isso mesmo, precisava logo trazer a menina antes que lhe
acontecesse o pior.
O vigário respondeu-lhe que já que se sentia
assim, trazer a prometida seria a morte certa, pois suas forças sucumbiriam de
vez diante da carne nova demais. E indicou-lhe uns dez médicos.
Passado mais um ano, eis que o coronel manda
chamar novamente o vigário. Disse que estava com a saúde perfeita, mas
pressentindo uma dorzinha nos joelhos parecendo reumatismo. Mas nada disso
impedia trazer logo a menina, que já devia estar mocinha.
Mas o vigário negou-lhe prontamente a
pretensão. Disse que precisava se curar de todos os males antes que pudesse ver
à sua frente uma flor tão bela e jovial. E indicou-lhe mais dez médicos.
Os anos foram passando com o velho coronel
insistindo em mandar logo buscar a prometida e o vigário sempre inventando uma
desculpa para livrá-la daquela velharia repugnante. Mas eis que um dia o
coronel risca na porta da igreja em cima de seu alazão e manda que o religioso
o acompanhe. Havia chegado o tempo de buscar a menina, disse um tanto
carrancudo.
O vigário, sem mais saber o que fazer,
lançou-se aos últimos pensamentos enquanto seguiam pela estrada. Então se
lembrou de uma coisa que poderia dar certo. Disse que a menina já era mocinha,
porém já havia fugido com outro.
Ao ouvir, o velho coronel avermelhou,
estuporou, soltou fogo pelas ventas, ficou a ira em pessoa. E colocou a mão no
peito para depois tombar, já morto. Em seguido o vigário retornou calmamente,
deixando o morto ao léu, prometido aos urubus.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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