Rangel Alves da Costa*
Do conto popular à realidade, eis que João,
querendo imitar o outro João, aquele do pé de feijão, prometeu ir além, mas não
conseguiu nada mais que um pé de ilusão. E ilusão esta que se esmiuçada no seu
significado vernacular comete o risco de ser considerada apenas uma miragem,
uma alucinação ou uma fantasia alucinada de um João que - depois de jogar ao
lixo sua última fábula - já não tem mais história para contar.
O pé de feijão de um João germinou no meio da
noite e ao amanhecer já estava tão alto e portentoso que seu tronco e folhagens
adentravam nas nuvens, subiam aos céus, e no seu cume um imenso e medonho
castelo, moradia de seres gigantes e perigosos. Foi esta realidade que o João
do pé de feijão encontrou e teve de vencer para não sucumbir. Já o pé de ilusão
do outro João, embora semeado e alimentado para também ir muito além das nuvens
e lá ter sempre palácios, serviçais e poder à disposição, nem sempre se agrada
de seu ilustre semeador e vive ameaçando fazê-lo despencar lá de cima.
Diferentemente do João do pé de feijão, que
sozinho enfrentou e venceu o gigante devorador de carne humana, o João do pé de
ilusão, ainda que sempre apoiado por um grandioso séquito – entre apaixonados e
bajuladores -, nem sempre soube domar os monstros do poder existentes lá em
cima. Seu sonho maior era sempre permanecer lá no alto, firme, impávido, sempre
poderoso, mas errou ao subestimar o peso de sua construção em cima de uma
planta que nem tudo suporta.
Do mesmo modo, João do pé de ilusão incorreu
no erro de imaginar que subiria e desceria, depois voltaria a subir, quando e
como quisesse. Chegou até a pensar que não somente os castelos lá em cima eram
seus, mas também todo o céu. João se achou poderoso demais. Estava tão
acostumado a subir e lá se manter, mas sem se preocupar com a real altura entre
o chão e o topo, que quando tropeçou e caiu nunca mais teve forças suficientes
para ser rei daqueles espaços novamente.
Quando João, o da história infantil, se viu
seriamente ameaçado, não teve dúvidas que o melhor a fazer seria descer
rapidamente do alto do pé de feijão. Mas o outro João, o do pé de ilusão, tão
acostumado estava lá em cima que nem se preocupou em construir uma rota de fuga
segura. E bastou um empurrão para não conseguir mais se segurar, e foi parar lá
embaixo. O problema é que o outro João cortou o pé de feijão e se viu livre de
toda ameaça. Mas o João da ilusão permaneceu embaixo tentando, a todo custo,
subir novamente.
E conseguiu. O João do pé de ilusão conseguiu
se erguer e subir novamente, mas não mais para o lugar desejado, lá em cima
além das nuvens, rente aos céus, em meio a suntuosos palácios, mas para um
lugar bem mais abaixo e modesto diante de suas sempre grandiosas pretensões de
poder. Mas não se submeteu a isso por acaso, simplesmente porque achava bom se
manter bem abaixo do desejado, mas precisamente para construir uma nova subida,
e para o mesmo alto já conhecido. É desta ilusão, de alcançar o topo novamente,
que João passou a viver. Contudo, a ameaça agora está em si mesmo. Querendo
demais, pensando somente lá em cima, abandonou de vez aquilo que tem para
cultivar.
Na verdade, João está se mantendo em cima de
um pé de ilusão. Pensando em subir, prometeu demais, alardeou demais, disse que
transformaria aquela planta num jardim colossal, mas o que se tem é uma visão
murcha, feia, suja, abandonada. Pelo andar da carruagem, ou o sonhador consegue
dar seiva nova ou o pé de ilusão inteiro vai desabar com ele lá em cima. E não
poderá culpar nenhum monstro ou gigante, senão sua própria desídia na escada
que poderia levá-lo novamente ao alto.
João, o do pé de feijão da história infantil,
arriscou demais para conquistar o almejado. Depois de ser castigado pela mãe
por ter trocado a única vaquinha da família por alguns caroços de feijão,
adormeceu tristonho e amanheceu surpreendido com o imenso pé de feijão que
havia crescido no meio da noite, e tão alto que ia além das nuvens. Então ele
nem pensou duas vezes, logo se pôs a subir para ver até onde chegava. Lá no
alto avistou um castelo cujo dono era um gigante comedor de gente.
Então começa a esperteza do menino João. Por
três vezes enganou o gigante e desceu do castelo levando aquilo que era impensável
surrupiar de uma pessoa tão forte, grande e perigosa. Conseguiu moedas de ouro,
a galinha de ovos de ouro e a harpa dourada, até que o enganado foi em seu
encalço enquanto descia. Deu sorte que chegou a tempo de lançar mão de um
machado e cortar o pé de feijão. O gigante despencou lá de cima e se
esborrachou todo lá em baixo.
Moral da história do pé de feijão: mostra que
coisas simples como grãos de feijão podem se transformar em grandiosas
conquistas, que não há gigante que não possa ser vencido e também que não vale
a pena continuar desejando sempre mais quando muito já foi conquistado. E,
acima de tudo, que o alto só é alcançado, e cada vez mais alto, quando a subida
é construída sem esquecer o que está embaixo.
Já o outro João, o do pé de ilusão, parece
ter se transformado não no João vencedor de gigantes, mas no próprio gigante
fragilizado que vai despencando lá de cima. E, diferentemente da história
infantil, dessa vez quem vai cortar o pé de ilusão de João será o próprio povo.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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