Rangel Alves da Costa*
Quando se fala em música há de se dizer, em
primeiro lugar, que nem toda barulheira saída de uma mala de carro pode ser
considerada como expressão musical. Nada além de ritmos desconexos, com
melodias atabalhoadas e letras aviltantes. Quer dizer, não passa de uma
barulheira insuportavelmente repetitiva.
Além dessa bagunça barulhenta de mala de
carro, a música também é aviltada pelos duvidosos gostos de grande parte, senão
maioria, da população. É a utilização de rótulo sertanejo para o que não passa
de brega romântico, é a designação de música romântica para o que nada mais é que
cornice sonora. Tudo parte de pessoas que certamente não conhecem nada de MPB
nem de autêntico violado caipira. Expressões como ária, ópera, concerto,
noturno e prelúdio, talvez sejam vistas como coisa do outro mundo.
Também não justifica dizer que gosto musical
não se discute. Discute-se sim, e sempre tentando mostrar que inconcebível é
que um jovem, na idade que pressupõe instante das escolhas da vida, se deixe
seduzir e conduzir somente pelo que de pior chega às ruas com nome de música. A
verdade é que é difícil compreender o que motiva alguém colocar sons potentes
nos veículos e depois abrir a mala para impor seus desajustes sonoros perante
os demais indivíduos.
Mas não é tarefa fácil delimitar o contexto
próprio da música. Contudo, não é difícil compreender o que não seja música. A
autêntica música não está em todo lugar nem sendo ouvida a qualquer altura. A
boa música não está numa mala aberta de carro nem animando a rebeldia nas
festas psicodélicas de fim de semana. A verdadeira música exige como uma
preparação, um ritual de iniciação que vai desde a escolha ao local de fruição.
A verdadeira música deve, em primeiro lugar,
provocar sensações prazerosas. A música deve proporcionar leveza à alma,
perfumar o espírito, possibilitar viagens mentais, fazer bem aos ouvidos e
coração de quem ouve. Através da música é possível reencontrar-se com situações
vivenciadas, dar trilha sonora às saudades, encher-se de contentamento e
prazer, ainda que a nostalgia também pontue como um laivo de terno
entristecimento.
Tão importante é a boa música para a vida de
um ser humano que deveria estar inserida dentre as necessidades orgânicas. Ora,
se o sono repousa, fortalece e predispõe o indivíduo aos seus afazeres, se o
alimento proporciona energia e força para os embates diários, então a música
também deveria fazer parte desse elenco de urgências humanas. E simplesmente
porque relaxa, emotiva, motiva, humaniza, sentimentaliza e torna o sujeito mais
afeto à felicidade.
Uma imagem serve para exemplificar. Alguém
retorna após a correria do dia, coloca de lado bolsas e roupas, abre a janela
para a entrada da brisa do entardecer, vai até a estante e escolhe uma música
para ouvir. Depois de colocada na vitrola, se joga entre almofadas para
usufruir cada acorde, e de olhos fechados, sentindo a canção invadindo a alma,
parece flutuar e sair de si. E levemente voa e mansamente vai ultrapassando os
espaços até que a mente pouse numa doce recordação.
Ou lentamente caminha em direção à janela e
lança o olhar na paisagem ao redor e mais adiante. Mesmo que nada disso exista
à sua frente, certamente avistará um mar imenso, as ondas chegando e voltando,
barcos ao longe, gaivotas fazendo suas trajetórias, coqueirais sendo balançados
pelo vento suave. É como estar noutro mundo, noutra existência, onde o sublime
se junta ao prazer de sentir o momento. E tudo possível somente pela trilha
musical que lhe possibilita fazer tal viagem.
E tal viagem é acessível a todos. Ao menos
àqueles que se distanciam das gritarias e barulhos do mundo lá fora e se
recolhem para o instante do encontro consigo mesmo, no silêncio da sala ou
dentro do quarto, perante uma música que valha a pena ser ouvida. Algo assim
como um Noturno de Chopin, uma Valsa de Strauss ou um Balé de Tchaikovsky, ou
apenas uma Sonata ao cair da noite.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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