Rangel Alves da Costa*
A noite entorpece, a noite adoece, a noite
traz sempre uma misteriosa febre. O mais instigante é que os enfermos não
sentem os sintomas febris, mas somente aqueles presumivelmente sadios.
Eis que a febre da noite não é de doença, mas
de calor, de torpor, de abrasamento, de queimação íntima. Tal febre, pois, não
é sintomática, provocada por nenhuma agressão orgânica que fragiliza a saúde.
Porque costumeiramente chega após o
anoitecer, até se mostra parecida com a febre surgida como sintoma de
enfermidade. E assim também porque esquenta o corpo, faz suar, podendo até
causar convulsões. Mas nada que precise de médico ou medicação.
Aqui se cuida de outro sintoma febril, de
outra espécie de febre. Assim, a temperatura elevada no corpo não é por
infecções, por gripe ou por dengue, e sim por vontade, desejo, por instinto
sexual aflorado.
O corpo esquenta, começa a arrepiar, provoca
tremores. Todo o ser parece um vulcão prestes a explodir, um rio de lava que
ameaça irromper a qualquer instante. E não adianta remédio de bula, chá ou
qualquer medicação.
Não adianta porque a febre é provocada pela
pulsação do coração amoroso, do corpo delirantemente desejoso de amor, das
profundezas da alma que se mostram carentes de afeto e do sexo que deseja ser
desejado.
A febre é causada porque deseja ter o corpo
ainda mais aquecido por outra pessoa. É provocada porque sente a necessidade de
ter alguém que divida um pouco daquela chama ardente, daquela verdadeira
fornalha. É uma febre provocada por uma carência que de repente irrompe em
chamas.
A febre da noite pode ter diversas causas.
Tal sintoma febril surgirá em quem solitariamente vive e mentalmente idealiza a
presença do outro. A falta de alguém que ama e com o qual o corpo já se
acostumou, também motiva o seu surgimento. A lembrança de beijos, abraços e de
outras carícias mais íntimas podem provocar verdadeiras convulsões.
Costuma-se dizer que a falta de sexo tende a
tornar o corpo em verdadeiro vulcão. Mas o pensamento no ato sexual em si não é
suficiente para provocar um estágio avançado da febre da noite. E assim porque
a vontade de sexo nunca estremece o corpo inteiro, que precisa de uma fantasia
maior para abrasar.
Assim, não é qualquer vontade que provoca a
febre da noite. Muitas vezes o corpo não precisa só de sexo, pois pode eleger
outras situações como mais importantes. Daí que muitos abrasam pela simples
saudade, pela recordação de um instante juntos, pelo desejo de ser abraçado,
acariciado, ter todo o ser compartilhado.
Uma mera recordação pode provocar arrepios. A
recordação vem acompanhada de situações vivenciadas, que vão aquecendo tudo. A
mente logo cuida de idealizar aquela distância como situação de presença,
provocando desejos. E tais desejos chegam acompanhados de chamas, labaredas,
queimores indescritíveis.
Quando a saudade de alguém vem acompanhada de
carência afetiva, então certamente a febre da noite logo surgirá. Então haverá
um recorte mental onde somente os momentos mais significantes começam a aflorar.
E é como se sentisse o beijo, a carícia, o toque, a entrega, o prazer. E o
fogo, o fogo, o fogo...
Talvez seja a chama da lua que incida sobre o
pavio curto de um ser tão carente que provoque tanta devastação febril.
Igualmente a lua cheia faz com a loucura, alçando-a a um estágio de exasperação,
assim também age com o ser necessitado de afeto, de amor, de prazer: faz
incendiar.
Mas um corpo nu não tem suas chamas apagadas
por um balde de água. Basta uma presença, uma carícia, um abraço...
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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