Rangel Alves da Costa*
Maria era uma daquelas que não ouvia
conselhos, não ouvia ninguém. Ela saía e voltava quando queria. Ela fumava, ela
bebia. E a mãe dizia toma juízo Maria.
Era uma danada a moça, tomando a rédea que
queria. Quando tudo se acovardava, era onde ela mais insistia. E por isso o que
se ouvia é que toma juízo Maria.
Montava em cavalo brabo, amansava boi
valente, era a pura valentia. Desandava sem destino e por onde ninguém sabia.
Assim que retornava ouvia que toma juízo Maria.
Andava descalça, por cima de pedra e espinho,
e era o que mais fazia. Debaixo do sol ou da chuva, tempo ruim não sentia. E o
povo repetindo que toma juízo Maria.
Bebia aguardente, fumava charuto, e quanto
mais bebia mais queria. Mas nunca cambaleou, nunca falou besteira, sequer
ressaca sentia. Mas todo mundo repetia que toma juízo Maria.
De ferro e aço parecia a Maria. Nunca foi
vista chorosa nem lorotando alegria, ninguém ao certo sabia o que ela sempre
sentia. Mas ainda assim se dizia que toma juízo Maria.
Quase não conversava com gente, preferindo
dialogar com os bichos no dia a dia. Por dentro da mataria se alegrava e até
sorria. E para muita gente, assim ela enlouquecia. E viviam repetindo que toma
juízo Maria.
Era bonita a danada, bela flor que contagia.
Sertaneja de jambo na pele, um terno verniz que irradia. Despertando muito
olhar, tanto coração que a queria. Mas sempre se ouvia que toma juízo Maria.
Colocava flor no cabelo, vestido de chita
vestia. Mas toda banhada de sol, no seu afazer de tanta correria, quase nenhum
perfume se sentia. Mas era cheirosa a danada, de aroma que apetecia. E logo a
má língua dizia que toma juízo Maria.
O que dela não sabia logo se inventava. E um
monte de coisa se dizia a respeito de Maria. O que não tinha e o que não fazia.
E ainda por cima a voz que sempre insistia com o toma juízo Maria.
A fofoca era tanta a respeito de Maria que um
dizia ser homem que de mulher se travestia. Outro duvidava até que ela existia.
E ainda outra repetia que toma juízo Maria.
Falava às suas costas, mas pela frente não
dizia. A sua reação violenta todo mundo conhecia e por isso tanto medo da
mulher que assim agia. Mas o que se fazia era dizer baixinho toma juízo Maria.
Maria subiu à montanha, coisa que nunca
fazia, e lá se ajoelhou em silêncio na fé que seu peito sentia. Todo mundo
estranhou assim que ela descia, pois na face um sorriso, no peito tanta
alegria. Ainda assim alguém disse toma juízo Maria.
Depois disso ela sumiu, nem sombra dela
existia. Todo mundo se perguntava onde estava Maria, pois tanta falta a danada
já fazia. E na preocupação, o que mais se repetia era toma juízo Maria.
Um mês sem qualquer notícia, mas tudo mudou
um dia. Na missa dominical eis que aparece Maria, quase irreconhecível no véu
que seu rosto encobria. Na mão levava uma Bíblia para acompanhar a eucaristia.
E de todo canto se ouvia que toma juízo Maria.
Desde muito tempo que ela já sabia do dizer
se alastrando toma juízo Maria. E durante a santa missa resolveu acabar com
toda aquela falastria. Pediu licença ao padre enquanto de tudo despia. Nua como
veio ao mundo, causou aflição e agonia. Sem saber o que fazia, o vigário apenas
disse toma juízo Maria.
Nua saiu da igreja e subiu num cavalo com
pose e galhardia. Mas antes de sair cavalgando se virou pra quem assistia e
gritou com ousadia: Já que tomaram o meu juízo sou a doida da Maria.
Dona Flosina à janela, que a tudo via e
ouvia, deu-se a se benzer e gritar “Toma juízo Maria!”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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