Rangel Alves da Costa*
O radinho de pilha já alardeava ao alvorecer,
mas as notícias precisavam ser confirmadas pelo jornal. Daí que era preciso
abrir a janela da frente para ouvir quando o menino passasse gritando o seu
inconfundível “Jornaleiro, olha o jornaleiro!...”. Ali, estampadas nas
manchetes, esmiuçadas nas letras miúdas e inconfundíveis, estavam os fatos e
acontecimentos que espelhavam a realidade local e além-fronteiras.
O velho jornal, parecendo ainda aquecido pela
pressão dos tipos sobre a folha, com seu papel cheirando a tinta fresca,
despertava um interesse incomum. As mãos ávidas se lançavam sobre as dobras e
os olhos pulavam sobre as manchetes. Os editoriais mais pareciam discursos
inflamados. E nas páginas seguintes as tramas e os bastidores da política, as
novas revelações de escândalos que se prolongavam, as crônicas violentas de uma
sociedade aterrorizada. Já assim naqueles tempos e numa continuidade que foi
mudando somente as datas.
Desde aqueles idos, nos primeiros sinais da
manhã, gritado pelo jornaleiro, jogado na varanda casa, ainda sonolento nas
bancas ou encontrado pelas esquinas, o velho jornal testemunhando na escrita o
que se comentava de boca em boca ou se espalhava como notícia radiofônica. Não
raro que somente alguns pudessem ler as acusações, os escândalos e as
revelações melindrosas envolvendo partidos ou políticos, poderosos ou gente de
nomeada na sociedade, pois tudo era devidamente abafado com a compra de cada
exemplar que fosse encontrado.
E houve um tempo, diante de seu teor
revolucionário, que exemplares eram distribuídos às escondidas, em surdina,
como se o impresso contivesse sentença e pena para todo aquele que fosse
encontrado com aquela perigosa arma anárquico-comunista. De forte teor
ideológico, direcionado a militantes, servia praticamente para fortalecer o
partidarismo ilegal e servir de doutrinamento. Muitos jornalistas e militantes
sofreram no cárcere por serem flagrados carregando debaixo do paletó aquelas
páginas subversivas.
Mil palavras e mil versões dos fatos podiam
surgir, porém nenhuma confirmação antes que a prova escrita estivesse estampada
em letras grandes nas manchetes. Então, somente depois que o jornal relatasse o
acontecido é que se poderia dizer de sua veracidade. Assim porque o jornal
sempre foi confiado pela apuração e pelo detalhamento dos fatos. Não é por
outro motivo que os programas jornalísticos matutinos abrem seus noticiários
com a leitura das manchetes dos jornais.
Noutros tempos – e de certa forma continua em
alguns aspectos -, o fechamento de uma edição se constituía num verdadeiro
martírio. Além da vigilância dos interesses políticos e da censura por muito
tempo, as últimas checagens dos acontecidos sempre atrasavam o trabalho das impressoras.
E tantas e tantas vezes o velho jornalista, já noite alta correndo, com cigarro
no canto da boca e uma xícara de café ao alcance da mão, ainda dedilhava na
máquina de escrever aquilo que não poderia ficar sem o conhecimento da
população. Tudo artesanal, tudo num penoso ofício para produzir informação.
Aquelas máquinas pararam. As matrizes
xilográficas eram muito trabalhosas de serem produzidas e com mão de obra
escassa, pois exigindo qualificação e verdadeiro amor na junção das letras
contidas nos tipos. Dava um trabalho danado juntar as linhas da escrita e
depois colocar placas de metal para garantir os espaços. Mesmo a introdução de
novas rotativas e a composição em linotipos, que davam agilidade ao processo,
tiveram que dar lugar à impressão offset e outras inovações tecnológicas tão
necessárias a um veículo rápido como o jornal impresso.
Este foi o percurso dos primitivos jornais
sergipanos e ainda à base da composição manual muitos funcionaram até
recentemente, cedendo lugar à composição mecânica e depois às impressoras de
última geração. E o jornalismo de cunho mais político que informativo, aos
poucos foi cedendo espaço a uma nova linguagem jornalística. Esta,
indubitavelmente mais abrangente e buscando se aproximar ao máximo da linguagem
proporcionada por outros meios de comunicação, como o rádio, a televisão e o
jornalismo online.
Mas chegar ao estágio atual, ao denominado
jornalismo profissional em todos os sentidos, incluindo-se aspectos de
apresentação gráfica, impressão e distribuição, demandou uma aprendizagem que
vem desde os primeiros periódicos e diários sergipanos. Tudo num aprimoramento
que remonta O Recopilador Sergipano, editado em Estância pelo Monsenhor Antônio
Fernandes da Silveira a partir de 1832, e que foi o primeiro jornal a circular
na então província.
A partir de então muitos outros jornais
surgiram, entre diários, periódicos e semanários, e também como órgãos oficiais,
dentre os quais o Noticiador Sergipano, Correio Sergipense, A Razão, Jornal de
Sergipe, Jornal de Aracaju, Diário de Aracaju, Jornal da Cidade, Gazeta de
Sergipe, Folha da Praia, O Que, Tribuna Cultural, Cinform, Correio de Sergipe e
Jornal do Dia, dentre outros. Logicamente que alguns destes jornais,
principalmente os mais antigos, eram verdadeiros porta-vozes de partidos,
governos ou ideologias políticas, dando sustentação ou combatendo o poder
dominante.
Muito mais noutros tempos que nos atuais, as
páginas dos jornais já serviram como verdadeiras tribunas para defesas
apaixonadas e explanações hoje consideradas como obras-primas do jornalismo,
mas também para enfurecer governantes, militares e a censura em geral. Por isso
mesmo que não foram poucos os jornalistas sergipanos que foram perseguidos e
presos e sedes de jornais invadidos e lacrados em nome da segurança nacional ou
do poder estadual. Era a questão de rezar ou não na cartilha do poder.
Impossível citar todos os nomes que
glorificaram e ainda continuam valorizando o jornalismo sergipano. Como dito,
nomes existiram que foram além do jornalismo para tornarem em temível tribuna
os seus espaços, principalmente através de editoriais e opiniões. Disseram nas
páginas dos jornais aquilo que tão bem ecoaria nas câmaras legislativas e, de
certa forma, foram ouvidos com retumbância. Daí o temor de tantos pelo que
possam encontrar nas páginas de um jornal. Daí também sua fundamental
importância como meio de informação.
E que celeiro imenso de jornalistas é
Sergipe. Nomes como Orlando Dantas, Manuel Cabral Machado, Mário Cabral,
Clodomir Silva, Antônio Garcia Filho, João Oliva, Ariosvaldo Figueiredo, Paulo
Costa, Luís Antônio Barreto, José Rosa, Luiz Eduardo Costa, Ancelmo Góes, Ivan
Valença, Bemvindo Sales de Campos e tantos outros de uma geração mais recente,
demonstram bem que a imprensa escrita sempre foi prodigiosa e inteligente.
E foi para engradecer ainda mais o cenário do
jornalismo sergipano que há exatos dez anos surgia um jornal com uma proposta
inovadora: Jornal do Dia. Nascido em 2005 através de um grupo de jornalistas
sergipanos, já vingou com apresentação gráfica, visual e jornalística,
totalmente diferente daqueles moldes utilizados pelos principais diários locais.
Um jornal menor, no formato tabloide, mais leve, mais acessível, porém com primoroso
conteúdo informativo.
Ao longo dos anos, o Jornal do Dia foi
aprimorando sua apresentação gráfica e enriquecendo ainda mais a sua função
informativa e analítica, contando ainda com a participação de diversos
colaboradores locais e nacionais. Tornou-se, sem dúvida, na primeira leitura quando
o assunto é política sergipana. Por isso mesmo que os sites noticiosos, os
programas radiofônicos e os bastidores da política sempre repetem que o fato
tido como novo já havia sido informado na página 5 do Jornal do Dia.
São, pois, dez anos de informação e coerência
com a verdade. Uma bela manchete nas páginas da imprensa sergipana. Uma honra
que noutros tempos o menino jornaleiro anunciaria como O dia do Jornal do Dia.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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