Rangel Alves da Costa*
Não recordo agora o nome do autor nem do
livro, mas não me esqueço do que nele estava descrito. Na obra, o autor
mostrava um mundo onde tudo dava errado porque era planejado para tudo dar
certo. E sempre dava errado porque o planejamento do mundo perfeito, por mais
que contivesse objetivos claros, estratégias de ação e previsão de resultados,
nunca considerava a realidade do mundo em si. Quer dizer, planejava-se para um
mundo irreal, utópico, enquanto o mundo real continuava padecendo suas dores e
sofrimentos.
“As Utopias da Segurança Pública”, bem
poderia ser o nome do livro citado. E no seu início talvez fosse inserida uma
nota explicativa dizendo que ou se acredita na palavra oficial, oriunda da
verdade estatal, ou se acredita nas inverdades divulgadas pela imprensa. Ou se
acredita que tudo está sob o mais rígido controle ou se incorre no erro de
acreditar que a violência está aumentando, que as estatísticas de assassinatos,
roubos e outras violências, estão num crescente assombroso. E assim porque as
instituições não mentem, e a imprensa pode mentir. Daí ser melhor acreditar que
existe paz em todo lugar e não violência em cada canto.
Tais explicações tão useiras e vezeiras são
geralmente utilizadas para camuflar verdades ou apontar realidades somente
existentes aos interessados. Assim, toda vez que alguém fala pela segurança
pública e diz que tudo está sob controle, que as polícias estão agindo com
maior agilidade e eficiência para combater a criminalidade ou que novas
estratégias serão colocadas em prática para proporcionar maior segurança ao
cidadão, é apenas no sentido de propagar uma imagem corporativa, validando suas
ações, e não porque a sociedade esteja sendo efetivamente defendida.
Do mesmo modo, toda vez que a segurança
pública vem a público com estatísticas comparativas de índices de criminalidade
em outros estados e afirma que o quadro demonstra uma diminuição na incidência
local, é porque está tentando mostrar – sem jamais reconhecer a continuidade do
problema – que o crime está sendo combatido com eficiência. Mas não consegue
explicar por que os homicídios estão aumentando e a criminalidade em geral
aterroriza a sociedade por todo lugar. Há, pois, uma incongruência entre o
discurso e a realidade. Ou será que os jornais, rádios, canais televisivos e a
mídia virtual estão avistando sangue e barbarismos onde só existe
tranquilidade?
Ademais, mostrar que a prisão de tantos
elementos, que o desbaratamento de quadrilhas, a apreensão de drogas e armas de
fogo e a captura de foragidos, com o consequente apinhamento de delegacias e
presídios, são ações positivas das forças de segurança, não parece uma atitude
inteligente. Na verdade, deve ser mais um reconhecimento da ineficiência
estatal e do aumento da criminalidade. Ora, se há tanta gente praticando crime
é porque a ação delitiva não está sendo combatida preventivamente. O que
significa também dizer que a repressão à criminalidade não está sendo
eficiente. A equação é simples: o aumento da repressão faz diminuir a
incidência, e vice-versa.
Fazer apreensão de drogas ou de armas de
fogo, realizar prisões em flagrante ou através de ordem judicial, só para citar
algumas situações, não são e jamais serão exemplos de combate ao crime, pois
ações que se desdobram de uma criminalidade anterior. O verdadeiro combate está
na ação repressiva para que o fato não aconteça. E quando a segurança pública
sabe da existência de locais de comercialização de tais armas, de venda de
drogas e de frequente atuação de marginais e nada faz, pois apenas passando em
ronda, é porque não está interessada em combater as raízes do mal.
Veículos de ronda que são avistados e
reconhecidos ao longe, piscando e avisando ao bandido que está chegando, e
depois simplesmente circulam pelos arredores e vão embora, não possuem
serventia alguma de combate à criminalidade. Situação diferente ocorre se a
bandidagem sentir que a polícia está de vigília, que está presente fisicamente,
entrando em ruas e virando esquinas, fazendo abordagens e evitando a ação
criminosa. Não há meliante que não tema a polícia e a lei, mas na ausência de
repressão se torna o rei do roubo, da boca de fumo, do tráfico, da violência.
Sem a presença diuturna da polícia, se
fazendo visível e não apenas passando dentro de uma viatura, não há que se
falar em segurança pública. A polícia não deve ser acionada apenas depois que o
crime aconteça, pois uma de suas funções é evitar o acontecimento. E só se
evita, se faz prevenção da criminalidade, com a presença nas ruas, nos
logradouros distantes e nas povoações mais inacessíveis. Os espaços vazios,
desprotegidos, largados à sorte de pessoas incapazes de se proteger, acabam
sendo ocupados por tudo o que não presta. É uma verdade óbvia demais.
Além disso, fato é que não há polícia
científica, modernamente aparelhada ou estrategicamente planejada, que dê
resultados apenas nos gabinetes e nos discursos. Ciência e violência nunca se
deram muito bem. E por isso mesmo que uma vive tão distante da outra. Enquanto
a segurança pública apregoa o moderno no combate ao crime, a bandidagem
continua utilizando os velhos métodos com máxima eficácia. Basta ver os números
da violência para saber quem está levando a melhor. E se o crime está nas ruas,
que seja nas ruas o seu combate.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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