Rangel Alves da Costa*
Quando a gente é feliz? Difícil responder
diante dos inúmeros contextos que envolvem o termo felicidade. Mas ouso dizer
que a gente é feliz não pela grande vitória, pela conquista tão esperada, pelo
sorriso largo e ar de satisfação, mas pelo contentamento do coração.
Feliz não é o que canta a vitória na guerra,
mas o que não suportou as trincheiras; feliz não é o que faz ajoelhar o
adversário, mas o que não tem motivos para contendas; feliz não é o que chegou
em primeiro lugar, mas aquele que não precisou disputar. Feliz é o que encontra
a felicidade sem sair de si mesmo.
Mas não é fácil viver sem aborrecimentos,
preocupações e muito menos encontrar uma serenidade espiritual que se traduza
como contentamento da alma. Até mesmo num instante de prece lágrimas tristes
podem descer pela face. Até mesmo o sorriso no espelho revela o quanto a pessoa
deixou de existir.
Num mundo tão violento, cruel e
desesperançado, tornou-se praticamente impossível viver distante dos medos e
absurdos. Por consequência, a grande felicidade de viver em paz, com conforto e
segurança, é difícil demais de ser alcançada.
Será cada vez maior raro ouvir de alguém que
está completamente tomado de felicidade. São tão poucas as situações de felicidade
ainda existentes que as pessoas se iludem com o seu alcance. Assim, qualquer
instante de prazer ou de distanciamento de preocupações já se torna motivo para
alardear felicidade.
A verdade é que nos resta muito pouco – quase
nada mesmo - de felicidade. As conquistas profissionais chegam quase no
exaurimento das forças, no cansaço dos dias e noites insones; as vitórias
pessoais são sempre entremeadas de angústias e aflições; as oportunidades na
vida sempre cobram o preço do sofrimento.
As pessoas vivem cada vez mais aflitas,
preocupadas, cheias de problemas a resolver. O mundo distancia-se da paz e tem
de conviver com as ameaças das guerras, do terrorismo, das atrocidades. Conflitos
de sangue são conflagrados a cada instante e por todo lugar. É um mundo infeliz
de povo infeliz.
Praticamente não há mais lugarejo distante
onde se possa dizer da existência da paz e da tranquilidade. O progresso desfez
os limites, avançou sobre tudo, torna em porta aberta o que estava
desconhecido. Não há mais a felicidade tão sonhada em nenhum lugar.
Os sorrisos estão cada vez mais ausentes das
faces; o ar de contentamento não é mais avistado pelos rostos que passam;
difícil ouvir alguém dizendo que está alegre, venturoso, contente. Mas fácil
demais ouvir palavras tristes, desalentadas, cheias de incertezas. As
satisfações pela vida parecem estar recolhidas para serem repensadas.
Então, onde estará a felicidade? Será que o
povo ainda se sente feliz? Quando se está feliz e qual o lugar da felicidade
nos dias atuais? Aqueles versos dizendo que era feliz e não sabia ainda podem
servir para responder a tais questionamentos.
Não sei se amanhã alguém recordará os dias de
hoje como aqueles que propiciaram felicidades. Talvez apenas no lado afetivo,
pessoal, e não pelo contexto de mundo e realidade que se apresenta. E assim
porque não vivemos num tempo feliz. Por mais que nos esforcemos, certamente
poucos motivos de felicidade serão encontrados.
Dessa constatação, nada resta a fazer senão
ir buscar a felicidade nos inusitados da vida. Isso mesmo, somente nas
situações mais simples e singelas será possível encontrar motivos para dizer
que é feliz, que está feliz. E compreender quando a gente é feliz.
Quem quiser a felicidade deve contentar-se
com as dádivas que ainda é possível receber sem qualquer custo. Quem quiser ser
feliz deverá colher seus instantes de prazer, contentamento e satisfação,
dentro de si mesmo ou perante algumas poucas situações ao redor.
Nem tudo é tão frio, desumano e insensível;
nem tudo resiste ao afeto, ao carinho, à cordialidade; nem tudo se esconde
diante de um bom coração que chega para compartilhar. Mas nem tudo assim em
todo lugar. E o encontro somente é possível quando a pessoa busca ser feliz sem
a intenção da felicidade.
Sim, ainda é possível ser feliz. Ainda é
possível colher sementes de felicidade que perdurarão por longo tempo dentro do
coração. Ainda é possível fazer do contentamento íntimo um escudo, ainda que
passageiro, contra os temporais da existência. E fazer da pequena conquista um
compromisso de obter muito mais.
Compartilhar sempre traz felicidade. Dividir
as forças de um bom coração com outro coração necessitado, sempre será motivo
de engrandecimento da alma e de paz espiritual e, portanto, um sinal feliz. E
feliz aquele que aquele ou se doa sem fazer do gesto uma expectativa de
retribuição.
Feliz aquele que ora em nome de si mesmo e da
vida. Feliz aquele que senta à cabeceira de um enfermo e lhe proporciona
instantes com menos dor e sofrimento. Feliz aquele que abre a janela e conversa
com a natureza, dialoga com a manhã, e silenciosamente agradece pela dádiva da
vida.
A gente só é feliz assim. No grão ou no
invisível tão afeto ao coração.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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