Rangel Alves da Costa*
A coivara queima, faz subir labareda,
enfumaça tudo ao redor, mas depois vira cinzas e vai sendo dissipada no vento.
Conceitualmente, coivara é uma técnica
agrícola rudimentar para queimar velhos arbustos e preparar o pasto para a
plantação.
O facão derruba a mata, os galhos e restos
mortos são amontoados e tocado fogo em tudo. Imaginava-se que as cinzas serviam
de nutrientes para a plantação.
As labaredas da coivara vão consumindo tudo
ao redor. A fumaça sobe e vai avançando pelos arredores. Nos dias seguintes
ainda restam brasas por cima da terra.
Somente o tempo do tempo para acabar de vez
com o fogo da coivara. Quando as cinzas estão assentadas e frias, logo a terra
é preparada para outro destino.
O vento leva a fumaça e ficam as cinzas. Logo
as cinzas serão misturadas a terra e também desaparecerão. E nenhum retrato
restará da mata que foi derrubada.
Assim a coivara antiga, a coivara dos
sertões, os costumes dos povos nas suas lides com a terra. E muita mata se
derrubou para coivara que não vingou.
Os campos nus de agora, pobres de nutrientes,
sedentos e famintos, não possuem mais forças para fazer brotar arvoredo
imponente. A terra nua e feia é também de solidão.
Distante dos sertões e dos campos mais
afastados, a coivara ainda permanece sendo formada em muitos lugares e
situações. Tronco a tronco, pau a pau, galho a galho.
O fogo ainda queima, as labaredas fremem, a
fumaça sobe, o calor fraqueja o resto de seiva. A terra queima, geme, sofre,
tudo ao redor parece tomado de desolação.
Uma paisagem que também é a humana na dor de
seus dias. Um cenário que também é o do ser na solidão, na tristeza, na
saudade, na sua busca de reencontrar a felicidade.
A coivara se multiplica. As pessoas vão
juntando restos para a grande fogueira. Um amontoado de coisas e situações
pesarosas vai se avolumando para o destino das cinzas.
Naquela coivara juntavam-se troncos, pedaços
de paus, galhos secos, folhagens mortas, gravetos e bagaceira da mata. E nesta
outra não é muito diferente.
Naquela coivara o fogo se fazia voraz,
formava labareda, crepitava, dançava pelo ar, se tornava fumaça enegrecida,
fagulhava pelo ar à espera da ventania. E nesta também.
A madeira morta crepitava e ia se tornando
brasa para depois se esconder entre as cinzas. A terra continuava abrasada,
quente por muito tempo. E nesta outra também.
Até quando a coivara queima totalmente e
debaixo de suas cinzas não restem mais brasas e nem o calor relembre sua
vivacidade? Somente com o abano do tempo.
Somente com o sopro do tempo não haverá mais
qualquer recordação, ainda que os vestígios continuem existindo. Mas é difícil
demais apagar de vez uma coivara da vida.
Saudades, tristezas, angústias, recordações,
lembranças, retratos mentais, imagens que nunca saem do pensamento, presenças
constantes, eis os galhos dessa coivara da vida.
Marcas não cicatrizadas, amores não
esquecidos, mágoas não dissipadas, angústias não remediadas, sentimentos não
revelados, eis o que deve servir de fogueira à coivara.
As grandes matas são derrubadas por coivaras
imensas. As grandes dores e sofrimentos humanos crepitam em chamas vorazes, avançando
sobre tudo, a tudo destruindo.
O homem queima e se torna cinzas a cada
instante. Os seus restos renascem tentando vingar outra vida. Mas logo se
percebe a chegada de outonos, securas e labaredas.
Quem dera que as cinzas fossem sempre para o
renascimento. Quem dera que dos restos brotasse o novo ser, menos fragilizado e
sofrido que aquele devorado no fogo.
Quem dera a Fênix mitológica em cada um. Mas
não. Infelizmente as folhas da vida são expostas demais. E frágeis, queimam, se
tornam cinzas, e somem na ventania.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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