Rangel Alves da Costa*
Toda pessoa possui um nome pelo qual passa a
ser conhecida. O nome é o principal caracterizador do indivíduo no seio
familiar e perante a sociedade. Mas como muitos possuem o mesmo primeiro nome,
a identificação se torna mais clara com o sobrenome familiar. Assim, a
identidade do indivíduo só é possível, para fins de individualização, com a
junção do prenome com o sobrenome. Difícil reconhecer João Aprígio Salustiano
apenas por João.
Tal é a importância desse sinal de
identificação pessoal que logo ao nascer a pessoa deve ganhar um nome, que em
seguida é registrada com o sobrenome. E não raro que mais tarde passe a ser
conhecido apenas por um apelido ou mesmo um pseudônimo. E também não é difícil que
a pessoa somente seja conhecida porque ao pronome há a junção do nome do pai ou
da mãe, ou ainda do nome de um destes mais do avô ou da avó. Há uma linhagem
familiar num só nome.
O apelido é designativo usual, muito
corriqueiro por todo lugar. Muita gente registrada e batizada com um nome, bem
escolhido, pomposo, acaba com sua real identificação servindo apenas para
constar nos documentos, pois aonde chegue é chamado de modo bem diferente. Não
algo como Sebastião ser chamado Tião ou Humberto ser chamado de Beto, mas o
mesmo Sebastião ser conhecido apenas como Lacraia ou Tiziu, ou o mesmo Humberto
ser chamado Bombom ou Lata Velha. E fica sendo chamado assim para o resto da
vida.
E curioso também é o que frequentemente
ocorre nos municípios interioranos quando o nome do sujeito acaba sendo
acrescido pelos prenomes da família, dos pais e dos avôs, e até de outras
gerações. Em Itabaiana, na região agreste sergipana há muito disso. Um sujeito
é registrado como Hispácio Gameleira dos Santos, por exemplo, mas de repente
passa a ser chamado de Hispácio de Horácio, que é o nome do pai, ou ainda de
Hispácio de Horácio de Maria Rita, que é o nome do pai acrescido do nome da mãe
deste, avó daquele. E por aí vai com Tonho de Messias de Mariinha, João de José
de Torquato, e muito mais num emaranhado entrelaçado de laços familiares sem
fim.
Mas nada mais curioso que os nomes, ou
verdadeiros nomes, comumente utilizados nos registros de antigamente, em
confronto com a nomenclatura nominalesca de hoje. Coisa do outro mundo,
espantosa, água em vinho revirado em líquido indescritível. Verdade que a lei
impede que os pais registrem os filhos com nomes que possam expô-los ao
ridículo ou cause outros transtornos, como a identificação verbal ou a escrita,
mas ainda assim se tornou comum que muitos cheguem ao cartório com um nome que
sequer sabem se é de gente ou de bicho, se é purgativo ou vermicida.
Nas distâncias interioranas se assentam as
maiores invencionices quando se fala em nomes estrambólicos. Nome de artista
hollywoodiano, de gente famosa pelo mundo afora, ou mesmo retirado de uma
revista ou livreto de faroeste. Não raro se dão o cuidado de forjar um nome
inexistente ou totalmente desconhecido, numa junção de letras que lhes soa
bonito: Clycs dos Santos, Thatshall de Oliveira, Shelts das Graças... Mesmo nas
distâncias matutas – e não sei de onde sai tanta invencionice -, de vez em
quando um pai chega ao cartório e pede para registrar com um nome levado em
papel: Brisaleste, Solimar, Orvalho...
Na verdade, não é difícil saber as motivações
para tantas estripulias. Nas regiões interioranas, o novo parece provocar mais
efeito do que nas cidades grandes. Quando os modismos despontam nas curvas dos
sertões parece que chegam revirando mundo. E por isso mesmo que os costumes e
as manifestações próprias acabam sendo relegadas e em seu lugar vão assentando
o desconhecido mirabolante. E ainda por isso que os nomes costumeiros são
deixados de lado para o surgimento de uma juventude cujos prenomes são tão
difíceis de pronunciar como de escrever.
Dentro dos limites da aceitação cartorial,
cada um registra o nome que quiser, é verdade. Mas existem situações que são
absurdas. Ora, mas que besteira um pai colocar um nome num filho que sequer vai
saber chamar. E com um aconteceu que colocou o nome de Schumacher e depois
passou a chamar o menino de Chuchu. E com outro sucedeu que colocou o nome da
linda filha de Britney e só sabia dizer Brita. E acabava Cabrita quando a
chamava: Vem cá Brita!
Mas se engana que tanta estripulia é fato
novo, pois desde muito que o sertanejo já inventava com o desconhecido. Ainda
hoje perambula o desafinado Roginho, antigamente registrado como Roy Rogers, em
homenagem ao famoso artista. Não sei se o sertanejo Presley Sinatra dos Santos
ainda vive, mas de vez em quando eu encontrava Sisi, o conversador. E quase deu
briga quando chegaram ao cartório para registrar filhos com os prenomes
Godzilla e Frankenstein. O oficial se negou a aceitar nome de macaco e de
monstro em gente e o caso acabou na delegacia.
Hoje em dia ninguém mais aceita nome comum em
filho. Dizem que já há demais Maria, José, Pedro, João, Josefa, Antônio. E
também dizem que a televisão mostra nomes tão bonitos que chegam a parecer
coisa de princesa e príncipe. Então tascam a colocar baboseira como nome das
crias. E logo num sertão onde os grandes vultos possuem nomes singelos,
autênticos, verdadeiramente nordestinos: Luiz Gonzaga, Virgulino Ferreira,
Antônio Conselheiro, Cícero Romão.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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