Rangel Alves da Costa*
O crítico musical Zuza Homem de Mello afirma
que nos últimos anos a música sertaneja acabou sendo o que há de pior na
música. E tal assertiva está acobertada de razão. O crítico prossegue dizendo
que por culpa de alguns aqueles autênticos sertanejos acabaram sendo
desvalorizados. A vítima maior, sem dúvida, foi a autêntica música caipira,
cabocla, de violado, cheirando a terra matuta, com letras exemplares e amores
singelos.
Na verdade, chega até ser criminoso o que
fizeram com a música sertaneja de raiz, aquela nascida com a feição do ranger
de porteira, no deslumbre do homem perante a natureza ao redor, cheirando a
café torrado nas taperas. Não se pode admitir que um monte de baboseira seja
jogado em cima de um jardim e ainda insistam em dizer que o lamaçal continua
jardim. Ora, forjar um estilo musical desqualificado em cima de uma
musicalidade com história, originalidade e beleza, não se qualifica apenas como
injusta apropriação, mas como crime contra o patrimônio cultural.
Para se ter uma ideia do absurdo, pela
qualificação que se dá hoje a esse estilo musical asqueroso que se propagou
como modismo e febre, qualquer cantor que se intitule como sertanejo teria de
ser considerado como da mesma seara de um Tonico ou Tinoco, de um Zico ou Zeca,
de um Pedro Bento, de um Carreiro, de um Pardinho. As melodias chorosas,
apaixonadamente irritantes, desafinadas e comerciais que tocam por aí, teriam
que ser apreciadas no mesmo deleite de uma guarânia, de um cateretê, de um
valseado, de um cururu, de uma modinha cabocla talhada na viola de pinho.
Não parece ser algo responsável nominar uma
música feita para a pirotecnia e o consumo passageiro, com bailarinas e
engenhocas, no mesmo patamar de uma musicalidade de raiz e eternidade. É
preciso respeitar a cultura cabocla e a verdadeira poesia do homem do mato, do
estradão, da terra molhada ou na sequidão. Os exemplos grandiosos são muitos.
Basta indagar o que as duplas e cantores caipiras fizeram no ano passado e o
que representam canções como Pé de Ipê, Tristeza do Jeca, Saudades de minha
terra, Flor do cafezal, Couro de boi, Cabocla Teresa, A caneta e a enxada.
Ademais,
impossível se encontrar qualquer qualidade nessas baboseiras hoje
caracterizadas como música sertaneja. Nem a força da mídia faz com que tais
músicas sejam lembradas daqui a um ano. Criminosa, pois, qualquer tentativa de
inseri-las no contexto da música cabocla. Seria dizer que um Luan Santana da vida,
ou um Gustavo Lima sei lá das quantas, ou um Jorge ou Matheus, faça parte da
mesma escola de monstros sagrados da música sertaneja como Anacleto Rosas
Júnior, Zé Fortuna, Capitão Furtado, Teddy Vieira, Lourival dos Santos, Raul
Torres, Florêncio ou Cascatinha. Não é criminosa tal comparação?
É absurda, criminosa, inaceitável, mas a
mídia continua confundindo as coisas e os próprios cantores e duplas, de forma
vergonhosa, se aproveitando do rótulo de música sertaneja. De vez em quando
passam chamadas na televisão apresentando o que há de melhor na música
sertaneja, e então mostram duplas como João Bosco e Vinícius, Fernando e Sorocaba,
e Thaeme e Thiago, dentre outras. Um verdadeiro acinte, um desrespeito total
com a autêntica musicalidade. E o pior é que além dessa proposital inversão de
valores não se observa qualquer preocupação de resgatar a originalidade musical
da autêntica canção caipira. Por consequência, as gerações mais novas, por
desconhecerem as raízes, acabam aceitando como verdade essa inigualável
mentira.
Contudo, essa desfeita com a viola de pinho
já vem desde os anos 80, quando do início do sucesso da dupla Chitãozinho e
Chororó. A música “Fio de Cabelo” foi a responsável pela imposição de um novo
estilo musical dentro da música sertaneja, de viés romântico apaixonado, tantas
vezes chorosamente brega, dando início ao surgimento de uma infinidade de
duplas intituladas pela mídia como sertanejas. E desde então surgiram Leandro e
Leonardo, Zezé de Camargo e Luciano, Bruno e Marrone, e uma quantidade infinda
de duplas com seu estilo inconfundível: dor de cotovelo, amores desfeitos,
paixões doentias, num romantismo meloso e entediante. Isso é música sertaneja?
Evidentemente que não, não passando de um engodo musical patrocinado pela
mídia.
Como coerentemente afirmou Alcino Alves Costa
no livro “Sertão, Viola e Amor”, “A televisão, insensível e mercenária, ignorou
os costumes e as tradições dos povos catingueiros e, como se fosse uma praga
das primeiras chuvas do sertão, usou de todos os meios de que dispunha, com a
prazerosa e deliberada intenção de destruir a beleza do ponteio e o canto terno
e melodioso da música nascida nos campos e roçados do interior. E, para o total
êxito de seus projetos, tinham em mãos as ávidas novas parcerias que, na ânsia
e necessidade de conquistarem o tão sonhado e desejado espaço nos meios de
comunicação, em especial na telinha, se sujeitaram, de bom grado, até com
vergonhosa subserviência, aos ditames e chiliques dos produtores, diretores e
empresários. E o desmoronamento da canção violeira foi completo”.
Só resta ao sujeito indignado não acatar a
covardia imposta nem o fingimento deslavado. Mas fico triste, como a tristeza
do jeca, e sinto saudade, como a saudade da boiada sem o menino da porteira. E
também choro como a lágrima do retirante ao olhar pra trás e só avistar a
poeira vermelha no estradão.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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