Rangel Alves da Costa*
Noites existem que parecem infindáveis, que
são longas demais. Desde a chegada das sombras do anoitecer até após a
madrugada, tudo se alonga de modo infinitamente aflitivo. E muitas vezes, mesmo
com luz da manhã, elas permanecem tão escurecidas como debaixo de um céu sem
luar.
Com muita gente acontece assim. Não se trata
de insônia, de hábito noctívago ou de enfermidade, mas de um estado de
vigilância angustiante que se prolonga noite adentro. Seja por problema
amoroso, afloramento da solidão, alguma preocupação dolorosa ou por
predisposição inexplicável da alma, a verdade é que nem o corpo repousa nem o
sono chega. Mesmo deitado e com os olhos fechados, a vigília mental permanece
acordada.
Os comportamentos se diversificam em tais
situações. Alguns experimentam chás, calmantes ou bebidas, outros se prestam a
andar de canto a outro da casa procurando motivos para o sono chegar, e ainda
outros se jogam pelos cantos como seres desalentados. Contudo, muito mais usual
é observar tal percurso noturno como uma epopeia trágica e voraz, enlaçada num
misto de agonia, dor e sofrimento.
Janelas são abertas no meio da noite, luas
são insistentemente avistadas. As portas rangem para os passos que vão procurar
algum alento debaixo do céu estrelado ou mesmo no negrume das noites fechadas
em nuvens chuvosas. Os copos são esvaziados, os cálices transbordam o vinho da
solidão. Os restos de cigarros se amontoam nos cinzeiros, a fumaça vai formando
espectros entristecidos. E os pés, os passos, e tudo que move o ser, já não
sabem onde estão.
Mas há uma descrição mais comum das longas
noites assim. O silêncio envolve o ambiente e o ser, ainda que vozes de repente
irrompam querendo gritar na alma. Os olhos tristes vagueiam sem avistar quase
nada. As sombras da noite invadem o quarto e apagam qualquer réstia de luz que
houver. Olhos se aprofundam em secura, olhos se enchem de lágrimas, olhos
buscam avistar qualquer coisa e só encontram a janela da mente. E logo avistam
as faces, as feições, as imagens. Um verdadeiro martírio.
E todos os velhos baús são abertos nas noites
sem fim, nos noturnos longos demais. As velhas cartas são relidas, os álbuns
são revisitados, as fotografias reencontradas, as pequenas lembranças novamente
vivenciadas. Talvez uma velha canção, bem baixinho, quase inaudível, colocada
na vitrola como tema do sofrimento. Um noturno de Chopin, uma barcarola
mansamente flutuando na música de Offenbach. E a cortina estremece também
aflita, uma folha ao sabor da misteriosa aragem da noite.
“Eli, Eli, lama sabactani!”. Deus, meu Deus,
por que me abandonaste? Por que essa noite na noite, esse negrume na escuridão,
essa tristeza infinita no tormento sem fim? Será que não basta o sofrer do dia
e tenho de suportar de olhos abertos a morte da própria alma? Que o cálice logo
se quebre se eu merecer, que do coração esvaia a vida se eu merecer, que do
fogo não reste sequer as cinzas se eu merecer. Mas insuportável é essa
angústia, esse padecimento, esse martírio que não acaba. São as vozes e os
gritos da mente, são os diálogos íntimos do sofrimento.
Já quase três horas, em plena madrugada, e os
passos caminham em direção à janela. Tudo ainda escurecido, tudo silencioso
demais para a vida existir. Não dormiu um instante sequer, porém os olhos
parecem fechados, ardem, lacrimejam. Não sabe se o corpo está leve ou pesado
demais, não possui reação consciente. Tateia até um canto da sala, senta com as
mãos na cabeça. Não suporta mais. Então repete: Deus, meu Deus, por que me
abandonaste?
A chuva cai. A madrugada se torna novamente
noite fechada, impiedoso negrume. Os pingos desabam e nos olhos um temporal. O
barulho da chuva entremeia o soluço. E também o grito. O uivo agonizante do
lobo solitário na sua montanha de solidão. Mas tudo se perde na escuridão, na
noite que sempre surge longa demais.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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