Rangel Alves da Costa*
Na quinta-feira, dia 19 de março, logo ao
amanhecer avistei uma faixa estendida no alto da rua onde moro: “Todos estão
convidados para a novena em homenagem ao glorioso São José, às 7:00 da noite.
Viva São José!”. Tal visão encheu-me de encantamento. Tenho como verdadeiro
fascínio que nos dias de modernidades repugnantes e modismos pecaminosos ainda
se mantenha preservada tradição religiosa tão singela.
A faixa estava estendida defronte ao espaço onde
sempre acontece a novena devocionária. É uma tradição familiar que começou com
o pai, Seu José Morais, e que continua com o filho Cidinho, que a todos convida
para o ritual religioso em homenagem a São Jesus Carpinteiro, Pai de Jesus, Padroeiro
dos Trabalhadores, Protetor das Famílias, Pai e Protetor do Homem do Campo,
Fiel Escudeiro do Sertanejo. Ou apenas o São José enquanto simbologia da
humildade na vida.
Também louvável que a tradição se mantenha em
pleno centro da capital sergipana. Ainda bem que Aracaju ainda não alcançou a
feição petrificada de metrópole urbana, não se transformou na feiura disforme
do concreto e na medonha insensibilidade de seu habitante. E, por isso mesmo,
um aspecto interiorano ainda prevalece nas ruas, nas pessoas e nas manifestações
religiosas e culturais. Melhor que seja assim, que nos anos vindouros ainda
seja possível encontrar vizinhos e beatas louvando seus santos, caminhando
pelas calçadas com seus livros santos, rosários e terços.
Há sempre um justificado temor que o progresso
vá inibindo cada vez mais o sentimento religioso do povo. Muitos jovens não
assumem a religiosidade nem frequentam os templos de fé para não serem chamados
de cafonas ou servir de zombaria aos adeptos da vida como mera curtição. E
corre-se o risco de mais tarde não existir mais preces, velas acesas ao pé do
oratório, imagens adornadas nas janelas esperando a passagem da procissão. E ao
esquecimento serão relegados não só os santos como a fé condutora da vida.
Diante desta desalentadora perspectiva, resta
o alento e a comoção espiritual ao se ter preservado, em pleno centro da
capital, o singelo ritual em homenagem a São José. E uma beleza sem igual os
cantos, as rezas, a imagem envolta em flores no seu pedestal. Em seguida a
procissão, as velas acesas, os fogos, as vozes entoando e louvando o
carpinteiro. Não só a presença de pessoas de mais idade, mas também de jovens
que buscam na fé também o sustentáculo da existência.
Logo ao alvorecer alguns fogos ribombaram
anunciando o dia da louvação. Certamente que muitas missas foram celebradas na
Paróquia de São José, no bairro do mesmo nome, e também noutras igrejas da
capital. E os particulares, amigos e familiares, vizinhos e fervorosos
cristãos, também cuidaram de preparar seus altares para as novenas e cantos de
devoção. Assim aconteceu na minha rua, nas vizinhanças de minha casa, e também
com a minha presença.
Sou sertanejo, filho das distâncias matutas
do sertão de meu Deus, e trago comigo a dádiva da religiosidade. Minha mãe
ensinou-me a crença, a fé, o amor divino, o respeito à sacralidade. Serei
sempre grato por isso. E mesmo na capital, nesse dia fico imaginando meus
irmãos sertanejos em louvação. Ora, São José é santo sertanejo, é santo
caboclo, é santo cheirando a terra e a flor de catingueira. São José mora na
casa de taipa, na tapera de cipó e barro, sente fome e sede nas atormentações
das estiagens. Por isso que intercede junto a seu filho Nosso Senhor para que
não deixe o seu povo ao esquecimento.
Com efeito, a devoção a São José possui
primazia na região nordestina, principalmente nos rincões sertanejos. Há a
crença que se cair chuva nesse dia será sinal que não faltarão as águas para
molhar as plantações que logo terão início. Não precisa nem ser chuva forte, de
trovoada, bastando que um pingo ou outro se derrame para que a crença se
transforme em indescritível esperança. Já vi sertanejo chorar de alegria ante
um chuvisco da noite, já presenciei mãos serem erguidas ao alto porque nuvens
carregadas pareciam caminhar na direção da secura.
Assim, pingo d’água no dia de São José é
promessa maior ao sertanejo, é esperança viva que haverá plantação e farta
colheita. Logo se imagina a espiga de milho bonecando, o milho assando nas
fogueiras juninas, a canjica gostosa, o sabor amarelado da terra. E também o
feijão, a melancia, o melão coalhada, tudo o que brote na vida. Daí que por
todo lugar há reverência através de missas, novenas e procissões. Logo ao
alvorecer os olhos matutos se lançam aos horizontes esperando encontrar na
barra os primeiros passos do santo da esperança.
Verdade que as chuvas não chegaram no dia tão
esperado, ao menos na capital. Também no interior apenas chuviscou aqui e
acolá. Mas mesmo que os sinais de fartura ainda não tenham chegado, o povo
sertanejo se enche de esperanças e confirma sua fé nas contínuas promessas e
orações. São gestos comuns que se repetem na normalidade dos dias. E todo dia
parece ser um dia de São José, o santo da terra molhada e do grão semeado.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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