SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 25 de março de 2015

Devotos de São José


Rangel Alves da Costa*


Na quinta-feira, dia 19 de março, logo ao amanhecer avistei uma faixa estendida no alto da rua onde moro: “Todos estão convidados para a novena em homenagem ao glorioso São José, às 7:00 da noite. Viva São José!”. Tal visão encheu-me de encantamento. Tenho como verdadeiro fascínio que nos dias de modernidades repugnantes e modismos pecaminosos ainda se mantenha preservada tradição religiosa tão singela.
A faixa estava estendida defronte ao espaço onde sempre acontece a novena devocionária. É uma tradição familiar que começou com o pai, Seu José Morais, e que continua com o filho Cidinho, que a todos convida para o ritual religioso em homenagem a São Jesus Carpinteiro, Pai de Jesus, Padroeiro dos Trabalhadores, Protetor das Famílias, Pai e Protetor do Homem do Campo, Fiel Escudeiro do Sertanejo. Ou apenas o São José enquanto simbologia da humildade na vida.
Também louvável que a tradição se mantenha em pleno centro da capital sergipana. Ainda bem que Aracaju ainda não alcançou a feição petrificada de metrópole urbana, não se transformou na feiura disforme do concreto e na medonha insensibilidade de seu habitante. E, por isso mesmo, um aspecto interiorano ainda prevalece nas ruas, nas pessoas e nas manifestações religiosas e culturais. Melhor que seja assim, que nos anos vindouros ainda seja possível encontrar vizinhos e beatas louvando seus santos, caminhando pelas calçadas com seus livros santos, rosários e terços.
Há sempre um justificado temor que o progresso vá inibindo cada vez mais o sentimento religioso do povo. Muitos jovens não assumem a religiosidade nem frequentam os templos de fé para não serem chamados de cafonas ou servir de zombaria aos adeptos da vida como mera curtição. E corre-se o risco de mais tarde não existir mais preces, velas acesas ao pé do oratório, imagens adornadas nas janelas esperando a passagem da procissão. E ao esquecimento serão relegados não só os santos como a fé condutora da vida.
Diante desta desalentadora perspectiva, resta o alento e a comoção espiritual ao se ter preservado, em pleno centro da capital, o singelo ritual em homenagem a São José. E uma beleza sem igual os cantos, as rezas, a imagem envolta em flores no seu pedestal. Em seguida a procissão, as velas acesas, os fogos, as vozes entoando e louvando o carpinteiro. Não só a presença de pessoas de mais idade, mas também de jovens que buscam na fé também o sustentáculo da existência.
Logo ao alvorecer alguns fogos ribombaram anunciando o dia da louvação. Certamente que muitas missas foram celebradas na Paróquia de São José, no bairro do mesmo nome, e também noutras igrejas da capital. E os particulares, amigos e familiares, vizinhos e fervorosos cristãos, também cuidaram de preparar seus altares para as novenas e cantos de devoção. Assim aconteceu na minha rua, nas vizinhanças de minha casa, e também com a minha presença.
Sou sertanejo, filho das distâncias matutas do sertão de meu Deus, e trago comigo a dádiva da religiosidade. Minha mãe ensinou-me a crença, a fé, o amor divino, o respeito à sacralidade. Serei sempre grato por isso. E mesmo na capital, nesse dia fico imaginando meus irmãos sertanejos em louvação. Ora, São José é santo sertanejo, é santo caboclo, é santo cheirando a terra e a flor de catingueira. São José mora na casa de taipa, na tapera de cipó e barro, sente fome e sede nas atormentações das estiagens. Por isso que intercede junto a seu filho Nosso Senhor para que não deixe o seu povo ao esquecimento.
Com efeito, a devoção a São José possui primazia na região nordestina, principalmente nos rincões sertanejos. Há a crença que se cair chuva nesse dia será sinal que não faltarão as águas para molhar as plantações que logo terão início. Não precisa nem ser chuva forte, de trovoada, bastando que um pingo ou outro se derrame para que a crença se transforme em indescritível esperança. Já vi sertanejo chorar de alegria ante um chuvisco da noite, já presenciei mãos serem erguidas ao alto porque nuvens carregadas pareciam caminhar na direção da secura.
Assim, pingo d’água no dia de São José é promessa maior ao sertanejo, é esperança viva que haverá plantação e farta colheita. Logo se imagina a espiga de milho bonecando, o milho assando nas fogueiras juninas, a canjica gostosa, o sabor amarelado da terra. E também o feijão, a melancia, o melão coalhada, tudo o que brote na vida. Daí que por todo lugar há reverência através de missas, novenas e procissões. Logo ao alvorecer os olhos matutos se lançam aos horizontes esperando encontrar na barra os primeiros passos do santo da esperança.
Verdade que as chuvas não chegaram no dia tão esperado, ao menos na capital. Também no interior apenas chuviscou aqui e acolá. Mas mesmo que os sinais de fartura ainda não tenham chegado, o povo sertanejo se enche de esperanças e confirma sua fé nas contínuas promessas e orações. São gestos comuns que se repetem na normalidade dos dias. E todo dia parece ser um dia de São José, o santo da terra molhada e do grão semeado.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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